Escrevo da Europa. Vim falar numa série de seminários que avalia a experiência de Portugal na Comunidade Europeia, iniciada em 1986, quase um quarto de século atrás. Quatro universidades – Lisboa, Coimbra, Porto e Minho (Braga) – vão projetar a “recriação” do país no quarto de século à frente. O primeiro simpósio, em que tratei do endividamento dos países, ocorreu na Universidade de Coimbra, debaixo de sete séculos de história da instituição. Foi dia de ataque especulativo.
Os alvos eram as dívidas dos governos de Grécia, Portugal e Espanha. Os portugueses estavam perplexos por uma situação que, antes, não lhes parecia previsível. Ou será que eles não queriam enxergar a hipótese que chamo de “balança roseira”? Ninguém gosta de antecipar desgraças. Nem, pelo visto, quem teria obrigação de fazê-lo, como as agências americanas de classificação de risco, que deixaram para a hora derradeira a correção de notas de qualidade de crédito dos países afetados pela crise. As notas deveriam ter caído há meses. Os rebaixamentos feitos no meio da crise, conjugados à maneira atabalhoada da reação das autoridades da Comunidade Europeia, serviram de caldo perfeito para a explosão dos preços que os investidores cobram para correr esse risco. Os mercados já ameaçavam fazer essa correção desde que começaram a duvidar dos dados fiscais da Grécia.
Por trás da tragédia grega, como de todas as outras que vieram ou virão, está a camuflagem de compromissos financeiros, que os governos irresponsáveis escondem do mercado, não os publicando no “contas a pagar” dos países. Aconteceu do mesmo jeito com os grandes bancos, que quebraram em 2008 sob o peso de jogadas financeiras feitas fora de seus balanços.
Agora, com o anúncio da megaoperação de refinanciamento forçado dos papéis gregos, os vendedores a descoberto – aqueles que apostam arriscadamente em desvalorizações – refluirão para suas tocas. Mas só por um curto tempo. O mundo está cheio de posições fragilizadas para atacar especulativamente, desde bancos até companhias hipotecárias, governos locais, estatais e países, cujas dívidas são muito maiores do que suas respectivas capacidades de gerar caixa. Este é o mundo em que vivemos e sobre o qual preferimos não pensar muito. Somos movidos pelo “otimismo reagente”, aquele que é embalado por qualquer declaração esperançosa de uma autoridade monetária. Seu maior exemplo foram os anos da “exuberância irracional” inventada por Alan Greenspan, ex-Fed americano, que trouxe a zero a poupança econômica dos Estados Unidos, confiante de haver descoberto a fórmula da pedalada perpétua de reanimação dos mercados com juros baixos.
E o Brasil, estaria a salvo da implosão grega? Tivemos sorte de não sair para velejar no dia em que a maioria dos barcos virou, inclusive a fragata americana, à deriva até hoje. Mas a sorte do Brasil começa a ser desperdiçada pelo retorno de uma “economia de alto gasto”, ou melhor, (des)economia. Não apenas os consumidores brasileiros são atraídos pelo endividamento fácil, que os empurra a comprar de tudo. Pior é o governo brasileiro, que de novo faz um déficit perigoso nas contas públicas. O saldo negativo no orçamento de abril, da ordem de R$ 17 bilhões, compromete o governo pós-Lula, qualquer que seja o eleito. Nós, contribuintes, seremos convocados a pagar mais essa conta amanhã. Enquanto os investimentos públicos do PAC seguem atrasados, não há atrasos no desperdício dos gastos correntes.
Por cima da avalanche de despesas desnecessárias, vem o Banco Central salgar os déficits futuros com a recente alta de juros, que afinal se converte em mais gasto do governo. Pagamos uma conta monstruosa de juros, que passam de R$ 150 bilhões por ano, quatro vezes o que é normalmente investido em infraestruturas pelo governo brasileiro. Pena sermos tão míopes. Não temos nem a preocupação de planejar os anos futuros, como tenta fazer Portugal. Falsos espertos que somos, temos um bocado a aprender, até com nosso mais modesto avozinho.
(“Época” – 08/05/2010)
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