A mídia brasileira muitas vezes se cala perante a falta de liberdade de imprensa em países da America do Sul por razões políticas
Desde 31 de julho de 2009 o público vê estampado no portal do jornal O Estado de S. Paulo a contagem diária da censura sofrida pelo veículo. O grupo está proibido de divulgar informações sobre o caso Boi Barrica, que investiga o empresário Fernando Sarney. Mas situações como essas, que vão contra o direito constitucional do Brasil, também andam na contramão de muitos países da América do Sul.
Jornalistas mortos, jornais e canais de televisão proibidos de funcionar total ou parcialmente, chefes de estados calados frente às perguntas feitas pela imprensa e tantas outras formas encontradas para distanciar o direito da teoria na prática cotidiana dos meios de comunicação.
Tanto que, ainda se faz difícil entender o real significado do termo liberdade de imprensa. A liberdade de expressão, termo mais comum, é até vulgarizado por aqueles que desejam obter proveito desse estatuto sagrado da Constituição para falar o que quiser. Já a falta de liberdade de imprensa fica caracterizada por edições de jornais que nunca foram publicados e, sim, proibidos pelos sensores em épocas de ditadura.
Para o advogado e diretor jurídico da Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner), Lourival Santos, “a liberdade de expressão deverá ser sempre analisada em consonância com o direito constitucional do indivíduo, de ter pleno e livre acesso a todas as informações de interesse social”.
Divulgar temas de interesse social é o papel principal dos meios de comunicação. Ter livre acesso à informação não deveria ser apenas ter direto a ela, mas sim, saber o que esta sendo informado e o que não está, e o porquê.
A mídia, representada pelos diversos meios de comunicação é o caminho mais curto entre a informação e o cidadão, e tornou-se ainda mais fundamental em nossa sociedade, como frisa o cientista político Paulo Gabriel Martins de Moura. “Na sociedade moderna a imprensa tornou-se um dos principais veículos de informação e da expressão de opiniões que influenciam a opinião de outras pessoas”, presume.
Por esta razão, a própria mídia deveria ser a primeira a levantar a bandeira da luta por tal liberdade de imprensa e funcionar como um órgão fiscalizador sobre qualquer interesse, seja ele político ou econômico, defendendo e protegendo esse direito do cidadão que é mencionado por Moura.
Mas será que a mídia brasileira tem andado de olho na liberdade de imprensa nos países hermanos?
A resposta para países como Venezuela e Bolívia com certeza é “sim”. Hugo Chávez e Evo Morales brilharam em centenas de capas de jornais desde que assumiram a presidência de seus respectivos países.
O que os dois têm em comum?
Chávez, nenhum respeito pela liberdade de expressão ou imprensa, e Morales, uma falta de carinho ou tato com os diversos meios de comunicação.
Pelo menos foi isso que os jornais de todo o mundo dedicaram-se a divulgar logo após o anúncio do fechamento de canais de televisão na Venezuela, porque se negavam a adequar-se às novas leis de comunicação, que, entre outros afazeres midiáticos, impõem a transmissão do discurso presidencial obrigatório. Já Morales cometeu o crime de anunciar que não gosta da mídia e que “su Bolívia” padece de uma “exagerada” liberdade de expressão.
Outras razões
O representante em Paris da organização Repórteres Sem Fronteiras na América do Sul e América Latina, Benoît Hervieu, comenta que os grandes veículos brasileiros não dão importância a alguns temas apurados pela entidade. “Muita coisa é divulgada segundo o interesse deles [a imprensa]”, desabafa. O objetivo da organização é justamente ficar de olho em situações, a nível mundial, que desfavoreçam o trabalho de jornalistas e comunicadores, sejam eles vindos do próprio meio midiático como governamentais ou legislativos.
Hervieu dá exemplos de como a mídia brasileira anda usando de artífices ideológicos para a seleção de pautas envolvendo política e mídia. “A censura sofrida pelo Estadão foi muito comentada, assim como o caso de Honduras. Em casos em que o Brasil estava envolvido politicamente a cobertura foi incansável. Esses casos deixam claro que existe um interesse ideológico”, revela.
Quem concorda com Hervieu é a jornalista Cristiane Charão, editora do Observatório de Direito à Comunicação, um portal realizado pela organização Intervozes. “Nós acreditamos que existe uma tentativa de manipulação do debate. Eles procuram mostrar um lado da verdade para que ele reflita no ambiente político”, explica.
A maioria das notícias que recebemos são verdadeiros atentados à liberdade de expressão e estão relacionadas com atitudes de governos ou leis instituídas que alteram a organização e a legislação dos meios de comunicação. Para não citar as reformas sofridas na constituição Venezuelana e contextualizar de uma maneira mais atual, basta pesquisar o que foi dito sobre a nova Ley de medios[1], legislada em 2009 pelos Kirchner, na Argentina.
Em entrevista ao professor e pesquisador Rogério Cristofoletti[2], a jornalista argentina Maria Victoria Richter disse que essa “é uma boa lei, amparada na legislação internacional em matéria de comunicação, e que recebeu o apoio de centenas de organizações sociais, de amplos setores da cultura, agremiações e universidades, além da relatoria de Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Unesco”.
Mas a mídia brasileira, democrática e pluralista, divulgou assim?
O sociólogo Venício Artur de Lima publicou, no ano passado[3], uma análise do que a presidenta Cristina Kirchner conseguiu e que nem o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, nem Lula conseguiram no Brasil por causa dos grandes conglomerados de comunicação no Brasil.
No texto, Venício escreve: “A lei audiovisual argentina foi aprovada num momento histórico em que alterações na regulação da mídia ocorrem em países latino-americanos que passam por transformações políticas profundas: Venezuela, Bolívia, Uruguai, Equador e Nicarágua.”
O Repórteres Sem Fronteiras também se pronunciou, na mesma época, elogiando a nova lei e destacando a influência que a pequena revolução audiovisual poderia ter em outros países[4].
A análise menciona que tais mudanças poderiam encontrar eco em outros países da America do Sul, em países onde a busca por um equilíbrio no setor da comunicação se traduziu na promoção de uma nova imprensa pública ou comunitária em países como Equador, Bolívia e Paraguai. E denuncia que, ao contrário dos projetos de lei que visam mudanças no Uruguai e na Argentina, no Chile projetos como estes dormem nos caixões do Congresso há dois anos.
No entanto, o advogado e diretor executivo do Instituto Millenium[5], Paulo Uebel, entende que os outros países, aqueles que, em geral, muito pouco se escuta noticiar, certamente devem ter ações e aspectos que violem a liberdade de expressão e de imprensa, mas acrescenta. “[Esses países] certamente não são, na América do Sul, os casos mais expressivos, portanto é por esta razão que a imprensa não tem dado atenção a esses países”, justifica.
Então…
A liberdade de imprensa na democracia atual não é apenas o direito de uma empresa de comunicação colocar o jornal em circulação sem ser interpelado, como afirmou o Lourival.
O historiador Rafael Araújo, mestre em História Comparada, menciona outro fator a ser discutido. “Temos que observar também que ainda não democratizamos a imprensa, visto que cada vez mais os grandes conglomerados controlam os meios de comunicação das nações latino-americanas, sendo incipiente a existência dos meios de comunicação popular”, ressalta.
Na maioria dos casos, os grandes grupos de comunicação tornam-se os primeiros a denunciar a falta de liberdade de imprensa porque a criação dessas novas leis busca diminuir o poder de concentração que eles possuem.
O silêncio da grande imprensa está relacionado às medidas democratizantes dos outros países e também do Brasil. Essas medidas são classificadas como censura e controle governamental. “Esses meios assumem um discurso de que nada que pode regular a atividade da comunicação é equivocado: ao contrário a regulação é necessária”, critica Cristina.
Nesse sentido, podemos concluir que os grandes violadores do direto de imprensa não são os governos ou os movimentos sociais que buscam fiscalizar a mídia, são os próprios donos da mídia, os grandes grupos de comunicação que se sentem ameaçados. “No quadro de liberdade de expressão e de imprensa, o pior atentado é a não pluralização da mídia”, confirma Cristina.
Pluralismo é, num sentido amplo, o reconhecimento da diversidade, ou seja, a distribuição da participação de vários veículos ou indústrias de comunicação.
Mas esse é outro assunto, para outra análise em uma outra data[6].
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