Quando me formei, fui trabalhar no mercado financeiro. Durante 15 anos, meu maior desafio era ganhar mais dinheiro para meus clientes, para que eu ganhasse os maiores bônus. Esse trabalho, completamente inconsciente das consequências para o sistema, foi o que me permitiu alcançar muitas metas e realizar muita coisa, ao longo da jornada até agora. Essa foi uma época de grande inconsciência minha.
Depois que meus filhos nasceram, entretanto, comecei a me questionar: o que eu estava efetivamente fazendo, deixando e realizando. Eu não queria contar para o Joaquim, que hoje tem cinco anos, e para o Caetano, de um ano, que eu ganhei dinheiro especulando opções no mercado financeiro. E que, para eu ganhar, alguém tinha que perder. E que quanto mais eu ganhava, mais alguém estava perdendo. Eu também não queria contar para eles que havia dado as costas para o Brasil e tinha ido morar na Califórnia, pensando exclusivamente no meu bem-estar.
Eu honro meu passado profissional. Sem ele, eu jamais teria dinheiro para fazer o Rally Paris Dakar. Nem poderia ter feito o curso Owner/President Management Program na Universidade de Harvard. Contudo, resolvi revisitar minhas prioridades profissionais e empreender.
Diante da impessoalidade e frieza dos serviços financeiros, resolvi criar uma empresa que tem a missão de humanizar os serviços financeiros para os microempreendedores. Fundei minha empresa em 2012 e, a partir daí, ela só cresceu. Não é uma fintech; nem uma startup; tampouco um banco de micro finanças. Trata-se de uma empresa construída sobre três pilares: pessoas, propósito e performance.
Por que pessoas? Há mais de dez anos, o Instituto Gallup realiza, nos Estados Unidos e em outros países, uma pesquisa para medir o de engajamento das pessoas no seu trabalho. Esse estudo descobriu que 20% das pessoas empregadas, com salário, estão completamente desengajadas, o que significa que elas são verdadeiros terroristas internos: fazem fofocas, reclamam de tudo, fazem politicagem e, se podem quebrar algo, vão fazê-lo para dizer que não funciona. Além dessa turma, há ainda 50% desengajados que, no popular, “cumprem tabela”. Não fazem nada além do necessário para não serem demitidos. O que mantém uma empresa são os 30% engajados.
Se pensarmos nessa distribuição em um time de futebol, teremos, pelo menos, três jogadores correndo o campo todo, atacando e marcando; outros cinco estariam correndo o suficiente, mas somente atrás das bolas fáceis, sem fazer muito esforço. Dois jogadores estariam jogando contra, fazendo faltas que poderiam prejudicar o time, passes errados e até discutindo desnecessariamente com o juiz. Imagine se um desses dois for o goleiro da sua equipe… Qual a chance de seu time vencer o jogo?
Todos nós sabemos quem são os terroristas em nossas organizações. Deixá-los ficar apenas perpetua um ciclo vicioso. As empresas, em sua grande maioria, estão exaurindo as pessoas, emocional e espiritualmente. Com isso, destroem as relações nos lares e na sociedade. As pessoas não podem ser tratadas como “recurso”. Carvão é um recurso. Depois de consumido, os resíduos são descartados. As pessoas devem ser tratadas como “fonte” de criatividade, inovação, energia e muitas outras qualidades e virtudes.
Por que propósito? O que nos trouxe até aqui não vai nos levar para onde precisamos chegar. O modelo do jogo “Banco Imobiliário” – onde vence aquele que fica de pé, quando todos os outros tiverem falido – não serve mais para a nossa sociedade.
De uma forma simples, o propósito é o encontro das virtudes do indivíduo ou de uma organização com as necessidades da sociedade. Os negócios que continuarão a existir nos próximos 20, 50 e 100 anos serão aqueles que efetivamente geram valor para a sociedade e não apenas lucro para seus acionistas. Muitas escolas ainda ensinam que o objetivo de uma empresa é gerar lucro… A empresa, entretanto, existe para gerar valor para a sociedade e para cada um de seus stakeholders. Valor nem sempre é apenas financeiro. Além da troca utilitária do produto ou serviço por dinheiro, os stakeholders (ou envolvidos e afetados pela organização) esperam receber valores adicionais dessas relações e interações. Esses valores podem ser culturais, ambientais, sociais, tecnológicos, espirituais, dentre muitos outros.
Um funcionário de fábrica não quer apenas receber salário. Se ele se sente acolhido, protegido e realizado, certamente, contribuirá muito mais para o desenvolvimento do negócio e o alcance do resultado. O propósito é a direção geral que orienta cada um dos stakeholders para tomar decisões que contribuam para a causa. É a cola que segura todos juntos em prol do mesmo ideal. O propósito é a causa pela qual a empresa existe. Se a sua empresa não existir, a sociedade vai sentir falta do que você tinha para oferecer? Hoje em dia, os jovens não querem mais apenas trabalhar em troca de um salário. Eles querem aderir a uma causa, tornar o mundo um lugar melhor. As empresas que não tiverem um propósito claro e real não estarão aqui para contar a sua história.
Por que performance? As empresas não visam fazer caridade ou viver de filantropia. Acredito na responsabilidade de uma organização em gerar valor para a sociedade e ter lucro como consequência do impacto positivo da sua iniciativa. O lucro é uma responsabilidade de todo empreendedor e empresário. O lucro permite que se continue investindo e expandindo o impacto positivo. Permite que os acionistas e investidores sejam remunerados de maneira adequada pela confiança na causa, além de gerar impostos que mantêm serviços públicos necessários para a sociedade. Não se discute aqui se os impostos estão sendo gastos de maneira adequada, correta e apropriada. Isso é uma outra conversa. Com o lucro, as empresas assumem sua responsabilidade capitalista com o propósito de gerar valor para toda a sociedade.
O mais interessante dessa abordagem é o desempenho das empresas “humanizadas”, que seguem os princípios de um capitalismo mais consciente. Ele é dez vezes superior à média do mercado, utilizando o indicador mais capitalista da sociedade atual: as ações na bolsa de valores. Segundo o livro “Empresas humanizadas: pessoas, propósito e performance”, de Raj Sisodia, quando comparamos o desempenho dessas empresas com a valorização média das ações na bolsa de valores (S&P 500) e com as empresas listadas no livro “Good to great”, de Jim Collins, no longo prazo (15 anos), notamos uma extraordinária vantagem de desempenho para as empresas humanizadas.
Em 2008, quando o mundo passou por uma das piores crises econômicas, foi o ano de inflexão do desempenho das empresas humanizadas. A mudança mais acentuada do ritmo de desempenho dessas empresas é consequência da maior lealdade dos stakeholders em relação às empresas humanizadas e às suas causas. Essas empresas, descritas pelo acadêmico Raj Sisodia, seguem quatro princípios considerados a base do capitalismo consciente:
(I) Liderança consciente: não é um movimento revolucionário – de baixo para cima – e sim um movimento de cima para baixo. Se o líder não pratica o seu discurso, não tem porque a organização seguir sua mensagem ou a sua causa.
(II) Propósito maior: toda empresa passa a ter uma causa para servir a sociedade e seu resultado financeiro é consequência do modo como a sociedade está sendo atendida.
(III) Orientação para os atores (ou stakeholders): geração de valor compartilhado passa a ser um quesito obrigatório nas relações com os envolvidos e afetados pelo negócio. A força da cadeia é igual à força de seu elo mais fraco.
(IV) Cultura consciente: é o resultado do comportamento coletivo de todos os stakeholders em prol da causa comum. É a maior vantagem competitiva de uma organização, pois os outros elementos do negócio, como canais de distribuição, estratégia de preço, embalagem e canais de comunicação, podem ser copiados.
Os empreendedores do Brasil têm, na minha opinião, a oportunidade do século para revisitar suas missões e visões e trocarem a palavra “maior” por “melhor”. Com isso, protagonizarão a maior mudança da sociedade na história da humanidade. A “Era do Propósito” chegou e os jovens que estão saindo das melhores universidades serão os grandes protagonistas deste movimento. As empresas se juntarão e ajustarão a eles ou ficarão pelo caminho. Eu já revisitei as minhas prioridades e nunca fiquei tão feliz e realizado nessa minha jornada de consciência. Agradeço por poder me emocionar, sorrir e chorar no trabalho com os resultados humanizados que a equipe da organização alcança todos os dias. Não vejo a hora de dividir minhas emoções com o Joaquim e o Caetano.
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