Um dia após ao anúncio da vitória do republicano Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, em 09 de novembro, o clima de incerteza paira sobre as bolsas de valores e os mercados de câmbio mundiais.
Segundo a vice-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil, Maria Alejandra Madi, uma das justificativas para a preocupação dos mercados é o forte apelo protecionista das propostas de campanha do novo presidente norte-americano. “Trump defende o protecionismo comercial norte-americano por causa de um duplo objetivo: por um lado, retomar os investimentos na infraestrutura e na manufatura; por outro, expandir os empregos”.
A economista explica ainda que, sob o comando de Donald Trump, os fluxos comerciais entre EUA e China devem sofrer mudanças que podem impactar os países da América do Sul. “Esta recomposição poderá ter efeitos importantes no comércio, produção, investimento e emprego na América Latina”.
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Instituto Millenium: No Brasil, assim como em outros países, a eleição de Trump promoveu reações imediatas como a queda na bolsa e a alta do dólar. Esse cenário deve se manter ou é passageiro? Por quê?
Maria Alejandra: Há, sem dúvida nenhuma, um ambiente de incerteza e preocupação no mundo que está pautando a evolução das bolsas de valores e dos mercados de câmbio dada a presença dos Estados Unidos em termos econômicos, políticos e militares. Este cenário é resultado do significado que a vitória de Donald Trump tem do ponto de vista da evolução da ordem econômica global no futuro próximo. Lembremos que Trump vem insistindo na necessidade de resgatar o poder dos Estados Unidos na ordem mundial. Para alguns analistas, a sua vitória pode representar um acontecimento geopolítico sem precedentes desde a queda da URSS.
Seguindo as diretrizes da plataforma de Trump na campanha presidencial, é possível dizer que a ordem econômica mundial sofrerá transformações na direção do protecionismo enquanto uma tendência mais permanente. Tal protecionismo terá impactos nas expectativas futuras de lucros das empresas que se tornaram globais nas últimas décadas, assim como no valor dessas empresas nas bolsas de valores. Ainda tal protecionismo poderá reduzir o grau de mobilidade dos fluxos financeiros a nível global e, por esta via, provocar ajustes nas decisões de investidores, nos fluxos dos balanços de pagamentos e na evolução das taxas de câmbio ao redor do mundo.
O protecionismo foi uma das bandeiras da campanha de Trump. A economia americana tende a se fechar?
Com efeito, Trump defende o protecionismo comercial norte-americano por causa de um duplo objetivo: por um lado, retomar os investimentos na infraestrutura e na manufatura; por outro, expandir os empregos.Temos que apontar também que na campanha presidencial, ele defendeu o fechamento da economia norte-americana a certos fluxos migratórios. Dentre as suas promessas, podemos lembrar a construção de um muro na fronteira com México e a deportação massiva de imigrantes ilegais.
O que o possível fechamento da economia norte-americana representaria para o mundo? Quais os impactos esperados?
Em primeiro lugar, podemos afirmar que o novo protecionismo norte-americano certamente envolverá uma mudança significativa das relações comerciais Estados Unidos-China. Sabemos que, nas últimas décadas, a relação sino-americana caracterizou o processo de globalização da produção e do investimento, mantendo os custos salariais a níveis muito baixos. Neste período, se, por um lado, a abertura do mercado norte-americano aos produtos do leste asiático alimentou o consumo das famílias norte-americanas com importações a preços baixos, por outro lado, tal expansão do consumo – principalmente antes da crise financeira de 2008- representou uma regressão da estrutura industrial e o deslocamento de empregos da economia norte-americana para outros países. Assim, dentre os impactos esperados, poderá haver uma mudança nos fluxos comerciais mundiais, marcadamente da composição das importações norte-americanas e das exportações chinesas. Sem dúvida nenhuma, esta recomposição poderá ter efeitos importantes no comércio, produção, investimento e emprego na América Latina.
Vivemos uma era de intensos fluxos de pessoas, de capital, de mercadorias etc. O discurso protecionista é aplicável na prática? Ele se sustenta no longo prazo?
Depois da Segunda Guerra Mundial, as mudanças nas formas de integração econômica internacional foram alinhadas segundo as diretrizes de Bretton Woods e, mais recentemente, após a década de 1980, segundo o Consenso de Washington. Sem dúvida nenhuma, a vitória de Donald Trump terá implicações práticas mais permanentes do ponto de vista econômico, político e social no âmbito mundial. Espera-se que os acordos e tratados internacionais, que incluem aspectos tais como seguridade e defesa, mudança climática e comércio sejam revistos e submetidos ao questionamento do novo governo. Como resultado, as relações internacionais, hoje pautadas pela globalização financeira e produtiva, poderão sofrer mudanças profundas quanto às políticas econômicas neoliberais e de direitos humanos.
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