Desde setembro de 2001, viajar tornou-se mais complicado. Em mais de uma oportunidade, passei por situações de tensão em aeroportos. Mesmo irritado pela atitude extremamente dura do agente em alguns dos principais aeroportos do mundo, em nenhum dos casos passou pela minha cabeça a possibilidade dele cometer um ato ilícito. Em contraste, em viagem a um país do Terceiro Mundo, há anos, a pessoa encarregada de verificar meu passaporte pediu dinheiro para liberar meu embarque. Não paguei, mas foi um momento difícil.
A diferença entre um caso e outro pode ser resumida numa palavra: instituições. É o amadurecimento delas que explica por que alguns países funcionam e outros não – e por que agentes da lei podem ser corruptos no país A e não no país B. Instituições contam.
Em matéria de desenvolvimento institucional, o Brasil se encontra na “classe média” dos países. Não temos a riqueza institucional da Suíça, mas estamos longe de ficarmos no fim da fila. Temos aberrações das quais nos envergonhamos? Sim: escândalos frequentes envolvendo acusações de corrupção; homens públicos que não convidaríamos para jantar e que continuam ativos; coisas que não funcionam; etc. Por outro lado, há aspectos da vida nacional que são “de Primeiro Mundo”. Podemos não gostar de pagar impostos, mas o sistema de entrega da declaração do Imposto de Renda é formidável; a urna eletrônica e a nossa Justiça Eleitoral são um show; a institucionalidade do sistema de metas de inflação é razoável (se a diretoria do BC se revela boa ou não na perseguição da meta são outros quinhentos); órgãos como o Itamaraty ou a Embrapa são exemplares; etc.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é parte do sistema institucional do país. Vale aqui citar as palavras de Nilson Teixeira, que, mesmo tendo sido um crítico da ação do BNDES nos últimos anos, fazendo uma correta distinção entre as políticas definidas em Brasília e a qualidade da sua equipe técnica, escreveu que o banco “tem a melhor expertise do setor público para analisar projetos de longo prazo e apreçar os riscos envolvidos” (“Valor”, 16/8/2016).
Antes de continuar, devo dizer que sou funcionário do banco há 32 anos e, portanto, não sou neutro em se tratando do assunto. O que não me torna um militante corporativo: aos 54 anos e tendo vivido em 4 países e em 6 cidades, aprendi na vida a olhar o lugar ao qual pertenço com olhos de estrangeiro. Conheço – e sempre fui crítico deles – os problemas do BNDES. Além disso, questionei desde o início o expansionismo fiscal dos últimos 10 anos.
Tendo deixado claro esses pontos, é importante ressaltar a importância de se ter uma instituição que conta com um corpo de profissionais concursados e honestos. No sistema de decisões compartilhadas do banco, os projetos passam por diversas instâncias e as decisões são coletivas, de modo que atos envolvendo recursos consideráveis são compartilhados por certo número de pessoas. Pode ter havido erros, mas no Brasil, ter 2.800 funcionários de uma instituição selecionados através de um concurso público difícil, de elevado nível profissional e honestos, não é pouca coisa.
O Brasil passou neste século por uma fase amarga de sua história. O que nos aconteceu envergonha qualquer cidadão de bem. De qualquer forma, decisões de governo precisam ser cumpridas pela burocracia. Se uma administração escolhe emprestar mais para fazer determinadas atividades, o funcionário deve zelar pelo cumprimento das normas, mas não cabe a ele questionar as prioridades do governo. Há que separar o joio do trigo. Pode-se argumentar contra políticas e diretrizes emanadas de Brasília que tenham sido questionáveis, mas é relevante notar em que casos isso se fez acompanhar de irregularidades cometidas por alguns dos seus funcionários e quais instituições conseguiram preservar intacta a honradez da totalidade do seu corpo técnico concursado.
O BNDES não fica em Marte e ele foi parte do enredo das políticas adotadas nos últimos anos. O fato é que, no contexto em que o país viveu, ele passou pelo crivo do turbilhão de escândalos dos últimos anos sem que um único dos funcionários concursados de carreira da instituição tenha sido apontado como corrupto.
Jean Monnet, um dos líderes da integração europeia e com uma visão de estadista da evolução histórica dos países, disse que “nada acontece sem os homens e nada perdura sem instituições”. Estes são o alicerce do êxito das Nações.
Os avanços dos países são processos pendulares. O papel dos órgãos de controle e das agências reguladoras insere-se nesse contexto de melhoria do país. Ao mesmo tempo, o BNDES, com seus 64 anos de história, é uma das boas burocracias do país. Não houve aqui funcionários concursados com conta secreta no exterior recebendo recursos da corrupção. Tendo preservado o seu corpo técnico da débâcle institucional dos últimos anos, chegou o momento dele passar a ser melhor utilizado agora como instrumento de execução de políticas do novo governo.
Fonte: “Valor econômico”, 16 de novembro de 2016.
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