Dias atrás, quando indagado sobre a possibilidade de anistia a políticos envolvidos em práticas delitivas, o eminente presidente da Câmara assim respondeu: “O Poder Legislativo tem o direito de mudar tudo que quiser”. Ora, o ilustre deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) está redondamente enganado. Na República, não existe poder absoluto; alguns podem muito, mas ninguém pode tudo. Portanto, se almejava demonstrar força política, a referida manifestação parlamentar apenas externou tristes vestígios de tempos autoritários.
Frisa-se que o chamado sistema constitucional de checks and balances procura instaurar uma harmonia dinâmica entre as instituições republicanas, elevando o interesse público na busca da realização efetiva de uma ordem social pautada pela decência, honra e dignidade, dentro de um contexto formativo regrado pela ética da responsabilidade. As dificuldades surgem quando o sistema entra em agudo desequilíbrio, possibilitando a hipertrofia de um poder sobre outro. Nesses casos, cabe à boa política, através do exercício da razão pensante, encontrar um justa fórmula para os interesses contrapostos.
Avanço do judiciário
Voltando à questão da anistia a políticos corruptos, oportuno lembrar que a moralidade é um princípio de “qualquer dos poderes da União” (artigo 37 da Constituição). Logo, toda e qualquer lei despida do necessário coeficiente moral, à luz de uma pauta de elevação institucional do Brasil, estará eivada de inconstitucionalidade, sendo nula, inválida e ineficaz. Na verdade, toda lei imoral não passa de uma fraude à representação popular.
Sim, o sistema político está embretado. Os avanços punitivos da via judicial estão colocando os corruptos em situação de desespero, o que poderá gerar uma frontal colisão entre o Poder Judiciário e o Legislativo. Aqui, não haverá solução fácil. Dentro de suas atribuições republicanas, caberá ao colendo Supremo Tribunal Federal coibir manobras legislativas para benefício da engrenagem delitiva, bem como conter os abusos de um ímpeto acusatório inquisitorial. O devido processo penal não é aquele que condena muito, mas o que pune com rigor técnico, transparência de fundamentos jurídicos e inteligente aplicação da pena.
Além dos finos traços da boa hermenêutica jurídica, caberá ao juiz constitucional a responsabilidade histórica de contribuir para o aprimoramento político brasileiro. A justa solução exigirá, portanto, o talento jurídico associado ao tato vivencial de olhos que não apenas veem, mas que também compreendem as complexidades da natureza do poder.
O fato é que toda ação judicial que afete o funcionamento orgânico da democracia passa a ser também uma medida política. E questões político-jurídicas não se resolvem com aplicação linear da lei, mas com a hábil sensibilidade cirúrgica que alcance a justiça sem fazer parar o coração da República. Em vez da pressa, é preciso ter a prudência de bem julgar. No fim das contas, o debate sobre uma anistia imoral, antes de uma matéria política, trata de uma questão de decência.
Mas há decência política no Brasil?
Fonte: Gazeta do Povo, 26/11/2016.
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