Em meio ao rebuliço de Brasília e ao agravamento da crise institucional que ameaça engolir o governo Temer, homens destemidos anunciaram as diretrizes da controvertida reforma da Previdência. Não fosse o abalo à credibilidade do governo, a redução abrupta da margem de manobra política com o embate institucional entre o Senado e o STF, não fosse o momento atual tão absolutamente tóxico, se pudéssemos apenas considerar a reforma da Previdência fora de qualquer contexto político, o que foi apresentado parece atender ao que da reforma se esperava. Ou melhor, se esta reforma fosse apresentada por outro governo, em outro contexto, suas linhas gerais seriam consideradas adequadas ao estado de calamidade da Previdência. Mas política econômica não se faz em laboratório, não é experimento controlado, não conta com assepsias de qualquer natureza. Por essas razões, urge o cuidado com a comunicação.
A reforma apresentada propõe mudanças profundas no regime de previdência e pensões. Da adoção de idade mínima para aposentadoria à equiparação entre homens e mulheres à extinção da indexação ao salário mínimo para parcela relevante dos benefícios, ao tratamento dado aos inativos e aos trabalhadores rurais, à ampliação do tempo de serviço para 25 anos. A reforma é dura, pois os desequilíbrios são imensos. Estudo recente do FMI mostra que, sem as reformas, o peso da Previdência sobre o PIB subiria de 10% para pouco menos de 20% nos próximos 20 anos – ou seja, a Previdência sugaria praticamente todos os recursos do governo, restando quase nada para o investimento público, os programas sociais, a saúde, a educação, e por aí vai.
É curioso, entretanto, que, em vez de explicar dessa maneira a necessidade da reforma da Previdência para a população, o governo tenha resolvido dizer sucintamente que “sem a reforma, não haverá condições sustentáveis para se manter a Previdência e os benefícios estarão ameaçados para as gerações futuras”. Se a declaração pareceu excessivamente vaga para o cidadão comum é porque ela é exatamente isso. Verdadeira e ressonante para os economistas, abstrata e incompleta para a população. A abstração é inimiga do apoio popular, haja vista as reações imediatas de que a reforma seria “injusta”.
É difícil entender porque o governo resolveu tratar tema tão contencioso e delicado com mistura perigosa de vagueza e urgência. Sem fornecer detalhes que “ainda estão para ser fechados”, o presidente encaminhou a reforma, a PEC 287, para a Câmara, e espera que seja votada pela Comissão de Constituição e Justiça já na próxima semana. Enquanto isso, o corpo técnico responsável pela elaboração da proposta concedeu entrevista célere em que várias perguntas ficaram no ar.
Por que militares estão excluídos, deixando a sensação de que, ao contrário do que disse o governo, nem todos estarão contribuindo para as reformas? E o Judiciário e seu esquema de pensões e aposentadorias privilegiadas, como fica? Como, exatamente, serão as regras de transição para os contribuintes com menos de 50 anos? O aumento do tempo de contribuição para 25 anos prejudica o trabalhador de baixa renda, que já se aposentava por idade, e não apenas por tempo de contribuição? Quão realista é acreditar que membros de famílias de baixa renda possam começar a contribuir para a Previdência com 16 anos para garantir os 100% dos benefícios depois de 49 anos de contribuição contínua? Como a reforma afeta a evolução dos gastos com aposentadorias e pensões como proporção do PIB?
Diz o governo que haverá uma economia de R$ 678 bilhões entre 2018 e 2027 – isso significa que é possível estabilizar a razão Previdência/PIB nos atuais 10%? E o déficit da Previdência, previsto para alcançar cerca de 4,5% do PIB em 2025 sem as reformas, dos atuais 1,5%, cairá para quanto? Com as reformas, o que pode ser dito dos recursos que haverão de sobrar para o investimento público, programas sociais, saúde, educação, enfim, todo o resto que afeta a população brasileira? Como se vê, a lista de perguntas é vasta, os esforços do governo para comunicar a importância de reforma de tamanha envergadura não cumpriram adequadamente o papel de esclarecimento geral da Nação.
Em momento de tamanha turbulência, não é só a pressa que é inimiga do apoio popular. A comunicação imprevidente para a reforma da Previdência pode acabar sendo a diferença entre o sucesso e o fracasso de um governo que se pautou pela ambição, mas que continua sem entender que explicar é preciso.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 07/12/2017.
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