A garantia de uma boa democracia depende mais da garantia do governo das leis (das instituições) do que do governo dos homens.
Norberto Bobbio
Ingressamos numa espiral de crise política e instabilidade econômica difícil de ser superada.
Tudo parece ter sido detonado no imbróglio entre Geddel Vieira e Marcelo Calero, sobre o licenciamento de um imóvel em Salvador que acabou reverberando, pois colocou em dúvida a idoneidade do chamado “núcleo duro” do governo. Tudo piorou depois que a Câmara e o Senado lançaram dois petardos contra a atuação do Judiciário, visando atacar a Lava-Jato. O primeiro, tentando votar, na “calada da madrugada”, o projeto popular “Dez Medidas contra a Corrupção”, totalmente deturpado, num claro objetivo de esvaziar a atuação do Judiciário. Outro, a atuação de Renan Calheiros, em vários movimentos, tentando atacar o juiz Sergio Moro e sua equipe, visando aprovar, a “toque de caixa”, a lei contra o abuso de autoridade, engavetada no Senado há mais de sete anos.
Claramente, tais movimentos foram um esforço, meio que desesperado, dos parlamentares de tentar fugir das denúncias que devem vir com a delação premiada da Odebrecht. A primeira, do “lobista” Marcos Melo Filho, já causou um terremoto político em Brasília. E olha que ainda faltam 76 delações. Só o atual presidente Temer já foi citado em duas situações. Para piorar, o TSE segue avançando nas investigações sobre a chapa Dilma-Temer e muitos consideram como certo o acolhimento da denúncia do PSDB pelo uso de recursos ilícitos, do Petrolão, na campanha de 2014.
Sendo assim, é cada vez mais complicado, dado o imbróglio político existente, construir um cenário sobre o que deve acontecer em 2017. Será que o presidente Temer emplaca até 2018, muitos questionam. E o pior é que uma revoada de quadros do governo deve acontecer, devido à Lava-Jato, o que forçará uma reforma ministerial em fevereiro. Comentários são de que Temer deve buscar figuras mais representativas da sociedade. Formará então um ministério mais técnico e com grande aceitação na sociedade.
Interessante observar que na área econômica, embora não tenhamos uma recuperação, até que o quadro não é tão ruim. Muitas medidas foram aprovadas nestes pouco mais de seis meses de governo. Tivemos a aprovação da PEC do Teto, depois de um longo trâmite no Congresso (duas votações na Câmara e no Senado), a PEC da Reforma Previdenciária foi aceita e começou a ser discutida em Comissão na Câmara, passou a reforma do Ensino Médio, várias leis foram aprovadas, como a do Pré-Sal, das Estatais, da repatriação de recursos, das Concessões e Privatizações, só para ficar nas mais importantes.
Uma ação bem coordenada e transparente do Bacen fez com que a inflação desacelerasse forte nestes meses, já estando próxima ao teto da meta neste ano (6,7%). A taxa Selic foi reduzida cautelosamente, havendo aqueles que defendiam uma redução mais agressiva, o “risco país” está próximo a 300 pontos, tendo passado de 350 pontos no início do ano e o dólar, em torno de R$ 3,40, depois de ter passado R$ 4,00 ao final do ano passado.
Na economia real o quadro ainda é indefinido. Embora os indicadores de confiança tenham melhorado no passado recente, talvez refletindo uma expectativa de virada, depois do desastre que foi o governo Dilma, nos últimos meses estes movimentos perderam força, diante da baixa resposta da atividade econômica, ainda envolta em indicadores negativos, mais afetados pelo alto endividamento e a crise política em curso. Esta, com certeza, alimentada pelo avanço da Lava-Jato, o que vem derrubando o ânimo dos agentes em volta.
Na semana passada, em resposta a este ambiente, o governo anunciou um pacote de estímulos para a área microeconômica. Foram variadas medidas para desafogar as dívidas das famílias e empresas, redução do “Custo Brasil”, melhorando o ambiente de negócios, e renegociação de dívidas junto ao BNDES. Consideramos que estas medidas foram acertadas, mas seus efeitos só devem ser sentidos mais à frente, não havendo maiores impactos no curto prazo.
É nesta simbiose entre crise política e institucional e incertezas na economia, todos na expectativa do clareamento do horizonte, portanto, que tentaremos enxergar 2017. Nossa expectativa é que as delações não atinjam tanto o governo, caso contrário será difícil manter o leme até 2018. Reduziram-se um pouco as chances de Temer terminar o mandato, mas isto será possível desde que a economia melhore. A consultoria política Eurásia, por exemplo, há duas semanas achava a chance de queda em 20%, depois da primeira delação da Odebrecht deve ter aumentado um pouco, chegando a 30% ou 40%.
Como conduziremos o próximo ano se esta crise de governabilidade e este surdo embate entre Legislativo e Judiciário continuam a paralisar todas as decisões dos agentes? Não será surpresa se este impasse político perdurar no transcorrer do próximo ano.
Sendo assim, tentemos enxergar o próximo ano a partir da construção de um cenário, mas sem descartar a possibilidade de perda do mandato do presidente mediante uma variante de possibilidades.
Não devemos também deixar de salientar os riscos que representam a eleição de Donald Trump para a economia norte-americana e, por que não, para o mundo. Suas propostas indicam uma maior expansão dos gastos públicos e a política de corte de impostos, o que deve gerar alguma pressão na demanda agregada, mais inflação e resposta do Fed elevando a taxa de juros. Na reunião do Fed, agora em dezembro, foi informado que o ciclo de ajustes da taxa Fed Funds em 2017 deve ficar em três e não em dois, como antes anunciado. Ou seja, teremos uma aceleração no ciclo de ajustes da taxa de juros, o que deve gerar alguma mudança da liquidez global, afetando em especial os emergentes e o Brasil, com sua alta liquidez no mercado de ativos. Isso posto, o Bacen doméstico terá que estar mais atento ao efeitos do câmbio mais depreciado sobre a inflação.
No cenário mais provável , mas não folgado, temos a continuidade do governo Temer, mesmo com toda a crise política no entorno. Pelo menos por enquanto, achamos que o TSE não deve avançar sobre a chapa e não acontecerá a renúncia do presidente Temer. Sem estes dois riscos, será possível conduzir o processo até 2017.
Claro que o governo deve terminar o mandato enfraquecido politicamente, tal o estrago que a Lava-Jato deve causar. Não sabemos qual o impacto sobre a economia, mas nossa expectativa é de que seja limitado, já que as medidas de ajuste estão avançando, o que pode ser bem interpretado pelos agentes. A economia deve responder lentamente, mas as medidas de estímulo em pleno curso e o avanço, com todas as dificuldades, da Reforma da Previdência, serão contrapontos positivos.
Sobre como deve evoluir a economia neste ano de 2017, a partir dos principais fundamentos, temos as seguintes considerações.
O crescimento da economia deve acontecer lentamente no ano que vem, havendo uma recuperação mais forte no segundo semestre de 2017. Este ano de 2016 já parece dado, com o PIB recuando 3,6%, devendo fechar o quarto trimestre, entre estável ou com uma pequena queda de 0,4% contra o anterior. Na recuperação do ano que vem, os investimentos do setor privado, estimulados pelas Concessões, terão sua contribuição, assim como o consumo das famílias, pela sinalização de melhoria da economia. Este processo, no entanto, será lento, com o crescimento não passando de 0,6% no ano, já que o desemprego ainda deve piorar um pouco antes de começar a se recuperar, talvez mais ao fim de 2017. Achamos que o desemprego deve chegar a 12,5% da PEA em meados de 2017, para começar a reverter ao longo do ano.
Em resposta a isso, o BACEN deve conduzir sua política monetária de forma mais frouxa, visando estimular a economia, mas alguma cautela deverá ser importante, dada a instabilidade política gerando pressões sobre a taxa de câmbio, somada ao rumo da política econômica norte-americana. Achamos que, neste cenário de “lenta distensão”, o BACEN deve acelerar a taxa de juros a partir de janeiro, em 0,5 ou 0,75 ponto percentual, até fechar o ano de 2017 em 11%, reduzido a 10% em 2018 e 9% em 2019, desde que a inflação convirja para 4,5% neste período.
Sobre a inflação , o único impacto preocupante decorre de algum choque agrícola indesejável, por fatores climáticos, meio que indo na contramão das projeções de mercado que indicam uma safra agrícola recorde para 2017, além de possíveis choques políticos ou externos, pressionando a taxa de câmbio. Assim sendo, estamos já considerando que depois do IPCA fechar 2016 no teto da meta, deve continuar em desaceleração em 2017, para fechar próximo a 4,5%.
Cabe salientar que a trajetória da taxa de câmbio tende a sinalizar alguma depreciação em 2017, tanto pela alteração no ritmo de ajustes da taxa de juros norte-americana como também pelas turbulências políticas, o que pode gerar alguma saída de recursos. Nossa projeção de taxa de câmbio é de R$ 3,40 neste ano e R$ 3,60 em 2017.
Claro que este quadro mais benigno só se confirma se o ajuste fiscal avançar bem. Tendo-se incluído no Orçamento de 2017 a limitação das despesas pela PEC do Teto, já dá para vislumbrar alguma estabilização das despesas, embora a arrecadação federal siga fraca, dada a lenta retomada da economia. Sendo assim, ainda teremos um resultado fiscal em 2017 muito frágil. O mesmo não deve acontecer com o saldo em conta corrente, se revertendo neste ano para 2017 para superavitário, dada a demanda mais fraca, o que derrubou boa parte das importações, com as exportações mantidas em baixo crescimento.
Concluindo
O cenário atual é extremamente volátil, o que prejudica a visualização correta do que será o País em 2017. Ainda acreditamos que a manutenção da governabilidade do atual presidente Temer seja essencial para a recuperação da economia, embora mantendo dúvidas sobre a firmeza da sua condução.
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