Há uma visão dominante em todo o território nacional de que a origem da crise é fiscal e de que o crescimento virá devagar. Esse entendimento está equivocado, o Brasil tem todas as condições de voltar a crescer mais celeremente do que as projeções atuais. Basta mudar o entendimento da situação.
Há outra forma de analisar a realidade e existe uma estratégia de superação que complementa a atual. É questão de analisar as especificidades da atual conjuntura.
Leon Tolstoi escreveu que todas as famílias felizes se parecem entre si e as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira. O mesmo vale para crises: são todas diferentes, têm características únicas de intensidade, de duração, de situação e de origem, que pode ser fiscal, mas também cambial, de choques de oferta e de algumas variantes financeiras. E podem ser resolvidas com mais de uma estratégia, que pode ser a austeridade – que está sendo adotada no Brasil e é a mais comum e demorada – ou outras combinações de políticas, que em determinadas situações apresentaram resultados surpreendentes, como foi o que Getúlio Vargas fez na década de 1930.
O ponto é que cada caso é um caso e o debate sobre a crise no Brasil está desfocado. As atenções estão nos gastos do governo, com descaso para com o setor privado, que é quem paga a conta e faz a economia crescer.
Embora o desequilíbrio das contas públicas seja importante e deva ser enfrentado, ele começou a piorar perigosamente após o início da crise, e não antes. O governo federal ainda está solvente, pagando suas contas em dia e o risco país está em queda, não em alta. Não é o lado fiscal que está parando a economia, mas, sim, a economia em recessão que está piorando o fiscal.
O País tem todos os sintomas de uma crise de crédito: inadimplência em alta, concessões caindo, juros e margens (spreads) subindo, redução de estoques e saldo total de crédito encolhendo.
Com a retirada de dinheiro do sistema pela intermediação, produtores não têm capital de giro, fornecedores querem receber antecipadamente, instituições financeiras estão conservadoras ao extremo e as empresas têm de diminuir estoques, cortar custos, parar de financiar clientes, atrasar tributos e fornecedores e, em alguns casos, desempregar e até fechar as portas.
O País caiu num redemoinho destruidor de juros cada vez mais altos, uma oferta de créditos bancários e comerciais encolhendo e morosidade sistêmica em alta. Atualmente, mais de 4 milhões de empresas e cerca de 60 milhões de cidadãos têm anotações de atraso no Serasa – e a maioria é do setor não financeiro.
A origem dos problemas está em 2010, quando, apesar do crescimento de 7,5% do PIB, a inadimplência dos créditos bancário e comercial começou a subir rapidamente, secando o canal de financiamentos e colocando a economia num redemoinho em que todos – governo, cidadãos, empresas e setor financeiro – estão perdendo cada vez mais.
Note-se que é o setor privado que está encolhendo e não é por causa do governo federal, que está solvente. E, apesar da aprovação da PEC 241 e do pacote de medidas anunciado, as expectativas de crescimento estão caindo, não subindo.
As medidas anunciadas há pouco pela Fazenda e pelo Banco Central do Brasil também não vão mudar este quadro significativamente. Note-se que as margens (spreads) estão subindo não por causa da ineficiência da intermediação, mas, sim, pela sua dinâmica defeituosa.
Lembro, aqui, que o mercado de crédito é uma criação social que depende de regras adequadas para cada situação, para promoverem a eficiência. Ilustrando o ponto: no Chile, há uma relação crédito/PIB maior que a brasileira e a rentabilidade bancária é do mesmo nível que a daqui, mas as taxas de juros cobradas lá são sete vezes menores.
O fato mais relevante é que o mercado financeiro brasileiro caiu numa armadilha de juros mais altos, prazos mais curtos e inadimplência subindo, que se propagou por todo o País.
A causa é o comportamento de alguns combinado com uma regulação inadequada, que levaram a uma dinâmica destruidora, em que lucros econômicos imediatos de poucos limitam resultados sustentáveis de toda a sociedade.
Fazendo uma analogia, a pesca predatória é um exemplo: nela, os próprios pescadores são os mais prejudicados. Ações imediatistas levam a perdas maiores ao longo do tempo. A solução é proteger os pescadores dos próprios pescadores, e, paradoxalmente, os banqueiros dos próprios banqueiros. Nos dois casos, adotando medidas sustentáveis. Note-se que e a origem dos problemas é o crédito, portanto a solução é corrigir suas distorções.
A saída (ver detalhadamente em www.simpi.org.br) consiste em cinco medidas: três rápidas, que dependem só do Poder Executivo; e duas estruturais. Se adotadas, farão uma grande diferença em pouco tempo. Com isso, o redemoinho se tornará um círculo virtuoso e o crédito deixará de ser a causa principal dos problemas para ser a solução potente.
As mudanças rápidas alteram alíquotas de tributos e de compulsórios, prazos de captação e uma renegociação sistêmica. São complementadas com a estruturação de um novo paradigma da intermediação e do modelo econômico.
As de curto prazo são para que o País saia do atoleiro celeremente e as de longo para que ele não volte a cair na mesma armadilha no futuro, melhorando as contas públicas, promovendo a justiça social, corrigindo distorções históricas e dando mais legitimidade ao governo.
O Brasil tem capital humano, capacidade empresarial, recursos disponíveis, inflação em queda, fábricas paradas, comércios com prateleiras vazias, equilíbrio externo e um governo central solvente. Enfim, tem tudo para começar a crescer rapidamente. É questão de adotar as medidas propostas, que podem fazer a “mágica” de gerar confiança e induzir ao crescimento econômico já.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 23/12/2016.
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