A nova ordem mundial mais parece uma desordem quando ouvimos os protestos dos perdedores com a globalização. As classes médias das economias ocidentais tiveram seus ganhos salariais travados ao longo das últimas décadas pelo mergulho de bilhões de eurasianos que escaparam da miséria socialista nos mercados globais de trabalho.
Enquanto isso, proprietários de ativos financeiros e imobiliários tiveram enormes ganhos de capital pelas quedas dos juros promovidas pelos bancos centrais e pelo excesso de poupança asiática.
O mal-estar com esse aumento da desigualdade dentro das fronteiras nacionais tem-se traduzido em votos contra o establishment em toda parte. A própria eleição de Donald Trump foi apenas a mais recente manifestação desse fenômeno.
A competição comercial dos asiáticos nos mercados de manufaturas e produtos industriais já bloqueava aumentos salariais em setores e indústrias de tecnologias estabelecidas, como calçados, têxteis, aço, automóveis, eletrodomésticos.
O teorema de Stolper-Samuelson, da equalização dos preços (salários) dos fatores de produção (trabalho), assegurava que, através do livre comércio daqueles produtos, os salários asiáticos travariam os aumentos salariais dos trabalhadores ocidentais.
Essa tendência à equalização foi depois acentuada por incessantes fluxos migratórios a partir de países emergentes, em busca de melhores remunerações nos mercados de trabalho das economias avançadas.
O mundo melhorava, mas não a vida do eleitor de Trump.
As propostas econômicas de Trump seriam então uma desesperada tentativa de gerar novos empregos em velhas indústrias e melhorar salários em meio à ferocidade de uma Guerra Mundial por Empregos, já travada há décadas. Foi disparada pela integração das cadeias produtivas globais, tendo a China à frente, e agravada pela “destruição criadora” das inovações tecnológicas, tendo à frente os EUA.
Se os chineses estão desconfortáveis com o avanço das empresas digitais americanas, e os norte-americanos temem uma invasão industrial chinesa, imagine as pressões da competição global e das novas tecnologias sobre o desemprego nos países emergentes.
O estridente anúncio do protecionismo de Trump é mais um grito instintivo de autopreservação da velha ordem, ante o surgimento da nova.
Fonte: O Globo, 09/01/2017.
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