Apenas em 2015 o país passou a contar com coleta de esgoto em mais da metade dos municípios atendidos com água, apesar do recuo dos investimentos em saneamento básico. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), produzidos pelo Ministério das Cidades e compilados pela consultoria GO Associados, o percentual passou de 49,8% em 2014 para 50,3% em 2015. Ao mesmo tempo, houve queda real de 9% dos investimentos em saneamento no período: caíram de R$ 13,9 bilhões em 2014 para R$ 12,7 bilhões no ano seguinte, considerando preços de dezembro de 2015.
No caso do esgoto tratado (que mede a relação com a água consumida), a taxa subiu de 40,8% em 2014 para 42,7% em 2015. Já o atendimento de água subiu de 83% em 2014 para 83,3% em 2015.
— Os dados são obscenos, claramente é preciso um salto para o saneamento básico. O desempenho é muito insatisfatório. Nesse ritmo, a gente só atinge a universalização em 2054 — afirma Gesner Oliveira, sócio da GO Associados e ex-presidente da Sabesp.
A meta do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) é universalizar o atendimento de água e esgoto até 2033. Para que esse objetivo fosse alcançado, diz Oliveira, seria necessário um investimento médio de quase R$ 20 bilhões (R$ 19,8 bilhões) por ano até lá. Na sua avaliação, no entanto, o atual quadro fiscal de União, estados e municípios exige ainda mais a entrada do capital privado.
— Há um constrangimento fiscal quase absoluto. Com orçamentos contidos e estados quebrados, não há condições de investir. É imperativo trazer o investimento privado — defende Oliveira.
Os números são preliminares. O Ministério das Cidades ainda vai divulgar seu relatório final sobre os dados do SNIS.
Desde o ano passado, o BNDES coordena um programa de concessões de saneamento. De acordo com cálculos do banco de fomento, 18 estados já aderiram: Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Santa Catarina, Sergipe, Tocantins e Rio. Consórcios interessados em elaborar estudos para a concessão de áreas específicas devem se inscrever no dia 23 no processo de pré-qualificação.
Discrepâncias regionais
Se os dados compilados pela GO Associados mostram avanço pequeno no país na cobertura de água e na coleta e tratamento de esgoto, eles confirmam as enormes diferenças regionais. Norte e Nordeste têm os piores índices. Na região Norte, menos de 10% do esgoto eram coletados em 2015 (8,7%), só 16,4% do esgoto eram tratados, e a cobertura de água atingia pouco mais da metade da população (56,9%). Enquanto isso, o índice de coleta de esgoto era de 77,2% no Sudeste, com taxa de 47,4% para o tratamento e 91,2% no atendimento de água. A água é quase universal no Distrito Federal, com 99%.
Para Sonaly Resende, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e uma das coordenadoras do Programa Nacional de Saneamento Rural, não é possível avaliar mudanças em saneamento básico na passagem de um ano para outro. Ainda assim, ela pondera que o saneamento rural é um grande desafio para o país:
— São diversidades grandes, é difícil caracterizar a situação do atendimento. E ainda tem as periferias e os pequenos municípios, que se confundem com o conceito do rural.
Mas, mesmo no Sul e Sudeste, há casos que chamam a atenção, como a piora dos números de água e saneamento de Minas Gerais — a maior parte dos municípios do estado é atendida pela Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) no caso da água. A empresa é estatal, mas tem capital privado também. Em 2015, em Minas Gerais, o índice de atendimento de água teve queda de 4,6 pontos percentuais (de 87,1% em 2014 para 82,5% em 2015). No caso de esgoto, houve redução na coleta (de 75,2% em 2014 para 69,1% em 2015) e estabilidade no tratamento (35% em 2014 para 34,9% em 2015). Procurada, a Copasa não respondeu até o fechamento desta edição.
No Nordeste, a cobertura de água foi reduzida em quatro dos nove estados (Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe). Na Paraíba, a taxa de cobertura de água caiu de 80,7% em 2014 para 75,3%. Segundo o presidente da Cagepa (Companhia de Água e Esgotos da Paraíba), Marcus Vinícius Neves, a crise hídrica é a principal razão para o movimento. A empresa atende a 199 dos 223 municípios paraibanos.
— O ano de 2016 foi o sexto de longa crise hídrica. Temos a infraestrutura montada, mas, por causa da seca, não conseguimos atender. Temos 31 municípios em colapso, sem água nenhuma — disse Neves.
Outras 90 cidades da Paraíba estão em racionamento, que pode variar de suspensão do fornecimento apenas no fim de semana ou por até quatro dias na semana. Neves diz que a expectativa é que a transposição do Rio São Francisco possa ajudar a partir do mês de abril, quando chegará ao município de Monteiro, na região de Cariri.
No Rio, piora em tratamento
No Rio de Janeiro, a coleta de esgoto registrou leve elevação, de 64,2% em 2014 para 64,5% em 2015, enquanto o índice de tratamento recuou de 34,7% para 33,7%, considerando a mesma base de comparação.
O Paraná teve avanço na coleta de esgoto de 60,4% em 2014 para 65,5% em 2015. No caso do tratamento de esgoto, o salto foi de 65,7% para 67,7%, respectivamente. No estado do Sul, o atendimento de água subiu de 92% para 92,8%.
Uma das razões para a piora dos números em geral, segundo Gesner de Oliveira, é que o avanço da rede não acompanhou o crescimento vegetativo da população. Ou seja, o investimento foi insuficiente.
Segundo o Ministério das Cidades, o diagnóstico a partir dos dados do SNIS 2015 será divulgado no dia 30 deste mês. De acordo com o Ministério, os investimentos nos últimos anos promoveram uma melhoria no setor de saneamento que é resultado, em grande parte, da mobilização do setor.
“A crise econômica a partir de 2014 e a queda de arrecadação do governo federal são situações que se refletem nos investimentos de saneamento e nos de infraestrutura de modo geral, mas que tem sido objeto de esforços e ações da atual equipe econômica no sentido de buscar o equilíbrio fiscal, o que permitirá a retomada do crescimento e a normalização da situação”, informou.
O ministério ressalta que, embora não tenha ocorrido um crescimento agudo de um ano para outro, tem havido ampliação significativa da população atendida. De acordo com o Ministério das Cidades, os principais entraves existentes ainda são questões relacionadas a processos licitatórios, licenciamento ambiental e comprovação de titularidade de áreas onde serão implantados os empreendimentos. O ministério cita ainda dificuldades relativas a projetos de engenharia inadequados, que demandam providências por parte dos tomadores de recursos.
Outro ponto destacado pelo ministério é que o tempo médio de execução das obras é de cerca de 36 meses em razão de seu porte e complexidade. “Por estas razões, os benefícios das obras de saneamento demoram um pouco até serem sentidos pela população e para surtirem efeito nos índices de atendimento apontados por levantamentos como os do SNIS e da Pnad (do IBGE)”, afirma, em nota.
Fonte: “O Globo”.
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