O economista Armando Castelar não espera um crescimento forte da economia brasileira mesmo quando a recessão terminar.
Ele diz que se o país não resolver problemas como tributação ineficiente, falta de investimento em infraestrutura e insegurança jurídica, estará condenado a uma baixa produtividade:
“Não tem bala de prata, ou uma reforma que resolva, e no longo prazo você precisa de uma mudança de cultura importante”.
Castelar é coordenador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ele também já foi analista da Gávea Investimentos, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e chefe do Departamento Econômico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Do seu escritório no Rio de Janeiro, Castelar conversou com a “Exame”. Veja a entrevista:
“Exame” – Nos já tivemos cortes nos juros, melhora dos níveis da confiança e aprovação de medidas no Congresso. O que falta para a retomada da atividade?
Armando Castelar – Você tem que superar o endividamento elevado de empresas e de famílias, e o desemprego está bem alto.
Há um processo que assim que deslanchado vai gerar um círculo positivo: desemprego caindo melhora consumo que melhora desemprego. Mas você parte de uma situação muito difícil.
Concordo com todos esses pontos, e adicionaria uma evolução do cenário externo muito favorável para emergentes e particularmente o Brasil, com queda do risco-país, que ajuda a derrubar o dólar, o que cria confiança e ajuda a derrubar a inflação.
Mas as empresas estão com lucratividade reduzida e os salários caíram, e com tudo isso dar a partida é mais difícil.
As projeções de inflação já caíram para abaixo do centro da meta. O Banco Central demorou para cortar os juros?
Não, eu acho que o BC estava preocupado em criar uma queda das expectativas que só está se materializando agora. Precisava disso para que os juros caíssem e permanecessem baixos.
Se tivesse baixado antes, as expectativas não teriam caído tanto, o que permitiria menos queda agora com necessidade de elevar novamente mais pra frente. Na lógica de longo prazo, acertou.
Se os juros podem cair de patamar e há um teto de gastos estabelecido, por que as previsões de crescimento a partir de 2018 ficam entre 2% e 3%? Não dá para crescer mais?
Esse quadro que você mencionou é gradual para o início da próxima década. E há inúmeras barreiras.
Temos uma infraestrutura muito precária, e com pouco investimento: no ano passado foi menos de 2% do PIB, quando deveria estar entre 4% e 5%.
Estados Unidos e Europa investem 2,5% do PIB — e eles já têm uma infraestrutura consolidada — e a China investe na faixa de 8,5%.
Temos um quadro institucional complicadíssimo, com alto nível de insegurança jurídica, o que gera muito risco e exige taxas de retorno elevadas para o investidor.
Temos problemas de qualificação da mão de obra, e a produtividade é baixa e caiu em relação ao padrão internacional.
E se ela não cresce, combinada com uma transição demográfica que faz com que a população em idade de trabalhar cresça mais devagar, o potencial de crescimento fica menor.
A equação dos 2% a 3% vem daí, mas não é uma regra biológica ou escrita em pedra. Se conseguir fazer reformas, consegue crescer mais.
Por onde poderia começar essa nova agenda de produtividade?
Não tem bala de prata, ou uma reforma que resolva, e no longo prazo você precisa de uma mudança de cultura importante.
No curto prazo, questões de ambiente de negócios são importantes, assim como regras para pagar impostos e pegar licenças pra construir. A regulação pública é muito complicada, variada e custosa.
A Lei de Falências não está sendo usada efetivamente para tirar empresas que não deveriam estar no mercado, ela mantém empresas zumbis que não tem capacidade de crescer, mas não desaparecem.
A questão tributária tem um impacto negativo gigantesco. A busca por incentivos leva à alocação ruim da atividade, a mercadoria vai até outro estado e volta só pra ter um benefício e a complexidade gera milhões de alíquotas diferentes.
Investir em infraestrutura aqui é arriscadíssimo, em parte por causa de projetos mal preparados e levados à leilão com trajetos e contratos incompletos, que depois são modificados cotidianamente por medidas provisórias.
Essa área de concessões, por exemplo, tem um histórico longo e turbulento. Mas garantir esse tipo de investimento de longo prazo também não depende de juros mais baixos?
Mas daí é algo circular. O fato de ter muito crédito subsidiado faz com que os juros do mercado livre sejam muito mais altos, reflexo de tentativas de resolver pontualmente a insegurança jurídica elevada e outros problemas.
Mas se o Tesouro paga um juro elevado é mais tentador mesmo botar um dinheiro no título público do que correr um risco, a não ser que a taxa de retorno seja altíssima.
O teto de gastos demanda uma reforma da Previdência, mas ela será suficiente? O envelhecimento da população vai exigir mais gasto em saúde, por exemplo.
Nossas simulações são de que a reforma da Previdência dá uma contribuição bem importante e que cresce com o tempo, pois com as regras de transição, com o tempo ela vai incidindo sobre mais pessoas.
O impacto é maior no médio e longo prazo, mas já é relevante no curto prazo. E outras coisas terão que ser feitas, além de melhorar a qualidade do gasto — o que não deveria ser difícil, pois ele aumentou enormemente ao longo das últimas duas décadas.
Estamos entre os países do mundo que mais gastam em educação em proporção do PIB e isso deveria dar mais resultado. Infraestrutura, mesma coisa: olha o que está acontecendo com a transposição do rio São Francisco.
Fonte: “Exame”, 22 de fevereiro de 2017.
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