Sem aderir a qualquer tipo de maniqueísmo, pode-se dizer que existem duas formas, basicamente, para promover o crescimento e a prosperidade das sociedades organizadas: pela via dos mercados livres ou por meio do papel ativo do Estado na indução das “políticas corretas” e na redistribuição das riquezas geradas pelo crescimento econômico. Trata-se do velho debate entre as virtudes respectivas dos mercados e dos Estados na promoção do desenvolvimento econômico, gerando, aliás, o tipo de maniqueísmo que se quis evitar no começo deste ensaio.
No entanto, o debate é sempre colocado em termos antinômicos, quando o correto seria começar reconhecendo que os dois termos da equação não se opõem, mas são complementares e praticamente indissociáveis. Todos os países da atualidade exibem Estados atuantes e não existem mercados, de qualquer tipo, sem alguma forma de regulação estatal: estas são evidências prima facie, que não requerem muitas explicações. Toda a “receita” estaria, portanto, em saber combinar doses precisas de um e outro “ingrediente” – ou seja, de um lado, mercados mais ou menos livres e, de outro, regulação e indução as mais adequadas possíveis, pelo Estado, por meio de políticas macroeconômicas e setoriais – para se obter o mix adequado e o quantum de crescimento e de distribuição que é licito esperar de uma economia organizada em bases estáveis e orientada para o crescimento e a prosperidade.
Com exceção dos anarco-capitalistas, que rejeitam absolutamente toda intervenção estatal, em qualquer dose, na economia, a maior parte dos partidos políticos e dos burocratas estatais aceita em nossos dias esse tipo de fórmula como inevitável. A “prova” seria fornecida pelo aumento gradual, ainda que lenta em alguns casos, da carga fiscal mesmo nas economias mais liberais – a título, por exemplo, de cobrir os serviços sociais, de saúde ou previdenciários – e pelo constante avanço da regulação estatal em áreas cada vez mais extensas da vida moderna – como na defesa da sanidade alimentar e na proteção do meio ambiente.
Na prática, o subjetivismo inerente às escolhas “volumétricas” – nenhum burocrata sabe, de fato, quais são as doses corretas dos componentes “naturais” e dos dirigidos –, bem como as dúvidas vinculadas aos efeitos delongados ou indiretos de determinadas políticas públicas – em relação às quais caberia também contar com a “lei das consequências involuntárias”; ou seja, efeitos não desejados de políticas supostamente virtuosas – se combinam para tornar especialmente difícil essa “mistura” de fatores puramente econômicos, se desenvolvendo espontaneamente num sistema de mercados mais ou menos livres, a fatores políticos, decorrentes de políticas ativas por parte de burocratas do Estado e políticos profissionais ocupando provisoriamente o governo. Ao fim e ao cabo, é sempre uma tarefa complexa e sutil manipular, nos volumes “corretos”, impulsos naturais de uma economia de mercado e empurrões voluntários dos agentes públicos, supostamente capazes de produzir apenas efeitos benéficos, sem as distorções das regras do jogo e sinalizações erradas que podem redistribuir renda em favor de quem já é rico ou premiar os tradicionais “caçadores de renda” que sempre gravitam em volta de qualquer governo.
Em 2006, o Banco Mundial reuniu um grupo de “sábios” para refletir sobre as “receitas certas” para produzir crescimento e desenvolvimento. Em 2008, a Comissão produziu um alentado relatório que repete as banalidades convencionais, mas que, pela sua própria composição (excesso de ex-burocratas), pendeu excessivamente para o lado das soluções do planejamento estatal (quem quiser conferir o right mix of ingredients dos sábios pode ir a este site: www.growthcommission.org/). Sem incorrer nos desvios protecionistas e dirigistas de seus predecessores – como Gunnar Myrdal, por exemplo, que recomendava o velho modelo socialista indiano como a “receita certa” para o desenvolvimento dos países muito pobres – os sábios acham que os países precisam de “líderes que estejam comprometidos com o desenvolvimento e que saibam tirar vantagens das oportunidades abertas pela economia global. Eles também precisam saber sobre os níveis de incentivos e de investimentos públicos que são necessários para que o investimento privado decole e assegure a diversificação a longo prazo da economia e sua integração à economia global”. Ou seja, nada de muito diferente do bullshit econômico tradicional do Banco Mundial.
De minha parte, prefiro ficar com as cinco regras aprendidas ao longo de uma vida de estudos dedicada à atenta observação das coisas do Brasil e do mundo, no que se refere às condições básicas para a manutenção de uma taxa sustentada de crescimento econômico e de desenvolvimento social, com transformação produtiva. Aqui vão elas, em formato muito resumido, esperando poder desenvolvê-las adequadamente em ensaios futuros:
1) Estabilidade macroeconômica: inflação baixa, moeda sólida, contas fiscais em ordem, regras do jogo estáveis, câmbio flexível, juros de mercado, mercados de capitais e sistemas de créditos abertos ao equilíbrio natural entre poupadores e investidores, sem os excessos da intervenção estatal, independência da autoridade monetária e responsabilização dos gestores fiscais e orçamentários;
2) Competição microeconômica: ausência de monopólios e cartéis, regras claras de concorrência no setor privado, concessões públicas em serviços coletivos com aplicação do chamado princípio de market contestability, estímulo à abertura do mercado doméstico à competição estrangeira para estimular inovação e a busca constante de qualidade e preço na oferta agregada (além de pressão deflacionista);
3) Boa qualidade das instituições públicas: governança transparente, controles cruzados, responsabilização nos cargos de confiança, diminuição da estabilidade nos cargos públicos, eficiência nos típicos serviços de Estado (justiça, principalmente), com vistas à redução dos chamados “custos de transação”;
4) Alta qualidade dos recursos humanos: condição essencial para o aumento da produtividade do trabalho; os desafios maiores, paradoxalmente, não estão no pessoal qualificado de alto nível, mas na formação básica e técnico-profissional do conjunto da população; o melhor, e talvez o único, investimento realmente prioritário que os governos precisam fazer é o de educar bem todos os membros da sociedade;
5) Abertura ao comércio e aos investimentos estrangeiros: não se trata, necessariamente de uma postura liberal, mas pelo menos aberta ao comércio exterior – o que significa aceitar a concorrência de produtos estrangeiros como estímulo à competitividade dos produtos nacionais – e certamente receptiva aos investimentos diretos, condição para a aquisição de tecnologias avançadas e de idéias inovadoras.
Não disponho de uma receita simples quanto às “doses” respectivas de Estado e de mercado para uma implementação bem sucedida das regras acima. Mas, com base na minha observação visual do mundo, como ele é, ouso dizer que as economias mais abertas e mais livres costumam ser mais eficientes na criação e na distribuição de riqueza. Esta é a minha aposta para a prosperidade…
(Publicado em “OrdemLivre.org”)
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