Minha juventude transcorreu nos anos 70, durante a dita “ditadura militar”. Curiosamente, muita coisa na época era, de modo preocupante, semelhante ao que se vê hoje.
Estaríamos vivendo, agora, numa nova era autoritária? Creio que sim. E em plena vigência da democracia.
Vale ressaltar que a grande maioria dos regimes autoritários – para poderem durar – tem de ser, forçosamente, “popular”. O povo tem de ter simpatia pelo governo. E naquele tempo era isso o que ocorria.
Os “apelos nacionalistas” – ou “nacionalisteiros” – eram, em muito, parecidos com os que vemos hoje. E o “autoritarismo” implícito neles era o mesmo. O governo da época chegou a divulgar o slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”. E o povo, com uma autoconfiança exacerbada, tratava de propagá-lo ao mundo. A mensagem era mais ou menos a seguinte: nós, por aqui, estamos satisfeitos, que não nos apareça nenhum derrotista com o intuito de nos estragar a festa!
Não existe mesmo nada de novo sob o céu. Tudo acaba se repetindo. Não foram os ditos governos militares que inventaram, no Brasil, o apelo fácil do nacionalismo triunfalista. Getúlio Vargas, no período de sua ditadura, usou e abusou dessa fórmula. A ideia-força é, mais ou menos, a seguinte: tudo vai indo bem no Brasil. Isso vale tanto para a economia como para a sociedade e, também, para a nossa imagem, no exterior.
Nos tempos da ditadura varguista dizia-se que o Brasil despertava inveja nas grandes nações porque aqui havia paz social. Enquanto aquelas enfrentavam uma guerra mundial, nós, por aqui, vivíamos em rara harmonia. Para que mudar? O nosso chefe estava “firme no timão” (expressão da época) e sabia como nos conduzir. O resto do mundo não podia dizer o mesmo. Até os Estados Unidos acabaram por ser levados a se envolver no conflito. O nosso país, não! Só entrou na guerra no final e, mesmo assim, sem grande entusiasmo.
O Brasil, segundo afirmava o governo de então, era uma ilha de paz e prosperidade cercada por nações que estavam constantemente sendo visitadas pelos quatro cavaleiros do Apocalipse: Fome, Guerra, Peste e Morte.
Nos tempos da ditadura militar os apelos não eram muito diferentes. Não havia uma guerra generalizada afligindo os povos, mas as evocações ao nosso patriotismo e à propalada soberania nacional eram constantes e de grande intensidade.
Soberania nacional, aliás, era um conceito que, como atualmente, valia para tudo. Tanto para justificar a necessidade de um “Estado forte” e onipresente (nos tempos de Vargas também era assim…) como para explicar as atitudes firmes e enérgicas dos nossos governantes. E também para decifrar, para o povo, a suposta independência de nossa política externa.
Nesse campo, cabe lembrar que tanto a ditadura de Vargas se proclamava livre como também os governos militares se diziam imunes às tendências políticas de então. Chegamos até a romper o acordo de auxílio militar que tínhamos com os Estados Unidos. E agora estamos praticando uma política diplomática que afirma ser independente.
Vale recordar, a propósito, que durante o “regime militar” o Brasil proclamou que o nosso mar territorial se estenderia por nada menos que 200 milhas marítimas. Até então, como nos demais países do mundo, os nossos limites no oceano eram de 12 milhas.
Para simbolizar a nossa afirmação de soberania nacional foi erguido, na época, um gigantesco mastro no centro da Praça dos Três Poderes, em Brasília. Permanece lá até hoje. E o gritante contraste entre ele e as obras arquitetônicas originais que o circundam é evidente. De tempos em tempos, cada um dos Estados da Federação arca com os custos de providenciar uma nova Bandeira Nacional para nele ser hasteada.
Mas, passadas quase quatro décadas, ninguém mais ousa discutir a importância daquele “monumento”. Sua arquitetura, dizia-se então, é de gosto duvidoso. E quem ainda se recorda sabe que ele está lá como estandarte das “nossas 200 milhas marítimas”.
Um dos principais argumentos de nossos atuais governantes se refere ao fato de que “nunca antes” a nossa economia se mostrou tão pujante e cresceu tanto. Errado. Mesmo na gestão de José Sarney como presidente da República foram registrados crescimentos anuais do produto interno bruto (PIB) superiores a 6%. Nos governos do “regime militar”, então, já é covardia. De 1968 a 1973, o crescimento anual do PIB brasileiro superou até as atuais taxas chinesas: mais de 10%.
A ideia de que o Brasil se está destacando como “potência emergente” no mundo, infelizmente, também não é nova. Os governos do período militar eram muito ciosos desse conceito. Prestei, em meados da década de 70, um vestibular cujo tema de redação era: “Os desafios do Brasil potência.” Nenhuma novidade, portanto…
É muito arriscado afirmar que estamos no limiar de uma ditadura. Mas dá para fazer a assertiva de que estamos entrando numa era autoritária. Os prenúncios são claros. Só não enxerga quem não quiser.
Uma das candidaturas à Presidência da República nas próximas eleições se regozija em reiterar que a sua titular “pegou em armas” e lutou bravamente contra a ditadura militar. Por acaso isso quer dizer que a ideia predominante, então, era a de “restaurar o regime democrático”?
Antes fosse. O que se desejava à época, na verdade, era descartar a ditadura militar e substituí-la por outra, a “ditadura do proletariado”.
O Brasil está próximo de entrar, como muitos dos nossos vizinhos, num regime “populista”. E, cabe reafirmar, todos os “populismos” são autoritários.
E tudo em nome do povo…
(“O Estado de S. Paulo” – 04/06/2010)
Colegas do Millenium,
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