As notícias sobre a crise financeira europeia na imprensa mundial têm pelo menos alguma coisa em comum: as imagens das manifestações de rua contrárias a qualquer mudança. Nesse sentido, a atual “tragédia grega” é exemplar.
Mostra, em cores vivas, o que pode acontecer quando um país inteiro resolve viver acima de suas possibilidades, sem se importar com a conta.
Qualquer ajuste proposto é logo repelido pela população, que se recusa a abrir mão do seu conto de fadas.
Esse é o retrato cruel de um povo colhido pela síndrome do autoengano.
Ninguém admite sequer a possibilidade de perder alguns “direitos”. Aposentados, pensionistas, funcionários públicos, estudantes, todos estão dispostos a lutar para manter seus privilégios.
Não interessa quem vai pagar por isso.
Acreditam que o Estado é fonte inesgotável de recursos, bastando aquilo que os demagogos convencionaram chamar de “vontade política”.
O político francês Frédéric Bastiat já previa, no século XIX, o rumo que a história europeia tomaria. Cansado de tanto esgrimir pelo bom senso, diante de um parlamento majoritariamente socialista, ele proclamou: “Não desejo outra coisa, estejam certos, senão que vocês tenham conseguido descobrir, apesar de nós, um ser benfeitor e inesgotável, que tem pão para todas as bocas, trabalho para todos os braços, capital para todos os empreendimentos, crédito para todos os projetos, bálsamo para todas as feridas, alívio para todos os sofrimentos, conselhos para todas as perplexidades, soluções para todas as dúvidas, verdades para todas as inteligências, distração para todos os aborrecimentos, leite para a infância, vinho para a velhice; que acuda a todas as nossas necessidades, atenda a todos os nossos desejos, satisfaça todas as nossas curiosidades, conserte todos os nossos erros, repare nossas faltas e nos dispense a todos, daqui por diante, de previdência, prudência, julgamento, sagacidade, experiência, ordem, economia, temperança e atividade (…) Esta fonte inesgotável de riquezas e luzes, esse remédio universal, esse tesouro sem fim, esse conselheiro infalível que vocês chamam de Estado.” Sábias palavras! Analistas de esquerda creditam os problemas europeus à globalização, à especulação ou à moderna engenharia financeira. Ignoram, convenientemente, que os governos, com raríssimas exceções, quase sempre gastam muito mais do que arrecadam. A inadimplência de Estados soberanos não é algo raro. O próprio governo grego esteve inadimplente durante mais da metade do tempo, ao longo dos últimos 180 anos.
A ideologia do bem-estar social encontrase tão profundamente enraizada na alma europeia que é quase impossível a um político eleger-se sem prometer mais benefícios. A Europa transformouse num continente estagnado economicamente e decadente socialmente, a começar pelas baixíssimas taxas de natalidade e uma indisfarçável xenofobia. A agonia é lenta, mas implacável.
Alexis de Tocqueville, conterrâneo e contemporâneo de Bastiat, foi talvez quem melhor definiu o que viria a ser a social-democracia do Velho Continente.
No epílogo de sua monumental obra “A democracia na América”, ele anteviu, nas democracias, a emergência de uma espécie de “escravidão disciplinada, moderada e serena”, que seria aceita e, até mesmo, desejada: “Pareceme que, se o despotismo vier a se estabelecer entre as nações democráticas, teria outras características: seria mais extenso e mais doce, e degradaria os homens sem os atormentar.” Segundo ele, o futuro déspota trataria de “prover segurança, antecipar e satisfazer necessidades, dar gosto aos prazeres, resolver as principais inquietudes e dirigir os negócios” de seus súditos.
Esse déspota, “depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de o ter moldado a seu gosto, estende seus braços sobre toda a sociedade; cobre a superfície desta com uma rede de normas secundárias, complexas e minuciosas … Não anula a vontade das pessoas, mas a refreia, a inclina e a dirige; raramente ordena atuar, mas frequentemente inibe as iniciativas; não destrói nada, mas impede que se criem muitas coisas; não tiraniza, mas obstrui, reprime, debilita, sufoca e embrutece, a ponto de transformar os povos num mero rebanho de animais tímidos e industriosos, de que o governo é o pastor.” Qualquer semelhança com um certo país tropical não é mera coincidência.
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