O Brasil forma por ano 18 mil doutores e publica mais de 40 mil artigos em revistas científicas. É sede da terceira maior fabricante de jatos da indústria aeronáutica global (Embraer), produz alimentos para todo o planeta e tem o maior programa de substituição de gasolina do mundo, o etanol. Não são pequenos feitos. Mas por que, em termos de inovação, o país está tão distante das nações desenvolvidas — ou, mesmo, de algumas em desenvolvimento? Para o engenheiro eletrônico e físico Carlos Henrique de Brito Cruz, faltam ao Brasil elementos como foco, busca por excelência e os incentivos corretos. E ele é um baita especialista no tema. Ex-reitor da Unicamp, Brito Cruz está há 11 anos à frente da diretoria científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), instituição de fomento que, em geral, sofre menos com as intempéries de Brasília. Seu orçamento anual corresponde a 1% da receita tributária de São Paulo. Em 2016, investiu mais de R$ 1 bilhão em projetos científicos e tecnológicos.
Época Negócios: Nas últimas décadas, o Brasil ganhou mestres, doutores, publicou centenas de artigos acadêmicos e produziu inovações pontuais. Mas nossa pesquisa acadêmica tem impacto socioeconômico?
Carlos Henrique de Brito Cruz: Tivemos progressos importantes e alguns dos indicadores mostram isso. Na Unicamp, por exemplo, nos últimos 30 anos, ex-estudantes, professores ou funcionários criaram mais de 500 empresas que, no ano passado, faturaram R$ 3 bilhões. Mas a questão é que, no país, as pessoas supõem que a pesquisa em ciência e tecnologia só deve acontecer em universidades e institutos. Nos países que se desenvolvem com base no conhecimento, em geral, a maior parte das pesquisas acontece nas empresas.
Negócios: Quais os pontos fracos do sistema de pesquisa no Brasil?
Brito Cruz: Considerando a pesquisa realizada pelas empresas, vemos, em muitos casos, que se trata da adaptação de um produto. Ela não busca uma inovação radical, com impacto no mundo. E há razões particulares no Brasil que estimulam as empresas a agir assim: a falta de estabilidade e o sistema de incentivos e recompensas estabelecido. A economia brasileira não premia quem corre riscos. Premia quem é estável, visível e tem boas relações com o governo. Não estimula a competição entre as empresas nacionais, nem entre as nossas companhias e as globais. Isso limita uma visão mais ousada.
Negócios: E nas universidades?
Brito Cruz: Vejo que há um sistema recente que, embora consolidado em muitas áreas, não está suficientemente maduro para gerar um impacto mundial maior. Ele é capaz de criar a ciência que ajuda a treinar alguns estudantes, fazer avanços incrementais no conhecimento, mas seria importante ter maior impacto mundial por meio das ideias.
Negócios: Como ampliar esse impacto?
Brito Cruz: Ter apoio estável para a pesquisa e ter interação com o mundo de forma ativa — e não apenas trazer visitantes ou visitar laboratórios estrangeiros. É preciso que os pesquisadores se unam a estrangeiros para montar projetos e buscar financiamentos. E o Estado deve financiar e privilegiar a excelência.
Negócios: Em um momento de crise econômica e instabilidade política, construir esse cenário parece impossível. É isso mesmo?
Brito Cruz: Considerando o desastre produzido na economia brasileira, é difícil imaginar uma maneira de sair disso sem algum sofrimento. Acho que o caminho a seguir é o mesmo trilhado por países como os Estados Unidos e a Inglaterra após a crise de 2008. Eles focaram em proteger a pesquisa de excelência, fazendo com que sofresse menos com a instabilidade e a falta de recursos.
Negócios: Quais os desafios da Fapesp?
Brito Cruz: Precisamos ajudar os pesquisadores a obter apoio na gestão dos projetos. Como o volume dos financiamentos hoje é muito maior do que era há 30 anos, não é mais um dinheiro que o pesquisador consiga administrar sozinho e coordenar 30 pessoas. Ele foi treinado para ser cientista e não gerente de projeto. Nossa inspiração em universidades no exterior é o chamado Grants Management Office. É um escritório de gerenciamento que cuida das reuniões, traz visitantes, compra materiais, para que o pesquisador não perca tempo com a burocracia e possa focar em pesquisas de impacto.
Negócios: A despeito de toda a instabilidade no Brasil, as empresas têm buscado projetos de longo prazo?
Brito Cruz: Temos mais empresas interessadas nesse tipo de relacionamento do que há alguns anos. Desde 2014, por exemplo, nós criamos cinco centros de pesquisa com grandes empresas [como Peugeot-Citroën, Natura, GFK e British Gas] e universidades. Nesses centros, para cada R$ 1 da Fapesp entra mais R$ 1 da empresa e outros R$ 2 dos institutos de pesquisa e universidades envolvidas. Em um projeto de biocombustíveis da Peugeot-Citroën foram investidos R$ 32 milhões, sendo R$ 8 milhões da montadora, R$ 8 milhões da Fapesp e R$ 16 milhões da USP, Unicamp, ITA e IMT. Esse é um modelo novo e interessante.
Negócios: Ainda há resistência dentro da universidade em relação a aportes privados?
Brito Cruz: Universidade não é um Exército. É bom que haja pessoas que pensem de maneira diferente. Há oito anos, a Universidade da Califórnia, em Berkeley, fez um contrato de pesquisa com a British Petroleum. Houve polêmica, mas o acordo saiu.
Negócios: A crise prejudicou o avanço que o Brasil vinha obtendo em ciência e tecnologia?
Brito Cruz: Não sei se atrasou. Talvez se o Brasil não tivesse gasto R$ 10 bilhões no Ciências sem Fronteiras tivesse mais dinheiro para manter um financiamento à pesquisa estável nos próximos anos. Não sou contra o programa, mas foi um tipo de gasto feito com pouco critério, discussão ou debate. Mandaram vários estudantes para o exterior. Foi bom para eles. Mas foi bom para o Brasil?
Fonte: “Época Negócios”, 10 de maio de 2017.
No Comment! Be the first one.