As palavras do presidente não passam de papo furado, papo de quem sabe que está com os dias contados
“Encore des mots toujours des mots. Les mêmes mots”
– Alain Delon e Dalida, 1973. Composição de Michaele Chiosso
Palavras necessárias. Esse foi o título escolhido por Michel Temer para o artigo que publicou neste jornal (“O Estado de S. Paulo”) em 22 de maio de 2017. Novamente, as palavras, sempre as palavras, as mesmas palavras. Palavras, palavras, palavras. Se o presidente esperava que as suas fossem capazes de mover mentes e corações, travesti-lo de “novo modelito” com sua suposta assertividade, como afirmou à “Folha de S. Paulo” em entrevista concedida no mesmo dia da publicação de seu artigo, a composição não teve o efeito pretendido. As palavras necessárias do presidente não passam de papo furado, papo de quem sabe que está com os dias contados, mas agarra-se ao poder para proteger-se do que vem pela frente. A economia? A economia que se dane.
Diz o presidente que recebeu um país arruinado economicamente, como se a passagem do cargo em 2016 tivesse sido feita a alguém alheio ao governo anterior. Ocorre que Temer foi vice de Dilma ao longo de todos os anos em que a petista governou. Não tivesse ele sido vice-presidente, jamais teria chegado ao comando do país destroçado pelo partido com o qual compactuou diretamente durante seis anos. A culpa pela destruição econômica não é de Temer. Contudo, isso não significa que possa posar de inocente diante de tudo o que presenciou enquanto assessorava Dilma Rousseff.
Diz o presidente que seu governo conseguiu grandes vitórias. Afirmou que o PIB volta a crescer quando, na verdade, não temos os dados oficiais do IBGE para validar tal afirmação. Disse que o emprego dá sinais de revitalização – dia desses, antes da bomba Joesley estourar sobre a cabeça presidencial, seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, declarou que a taxa de desemprego ainda deve continuar a subir nos próximos meses. Temos cerca de 14 milhões de desempregados no País, milhares de famílias desamparadas e sem perspectivas.
A desconexão presidencial com a realidade é inequívoca, embora nem um pouco surpreendente. Temer escreveu que os ganhos sociais e econômicos foram imensos, que saímos da recessão, que o Brasil ganhou governo e rumo. Gabou-se de seu círculo virtuoso, insistindo que os vícios do passado haviam sido abandonados. “Não retrocederemos!”, exclamou.
Eis, no entanto, que o retrocesso está dado, retrocesso garantido pelo próprio presidente. A cena é forte: às 11 da noite de um dia de março, encontra-se o presidente na garagem da residência oficial com Joesley Batista, empresário que já contava com nada menos do que três investigações por fraudes, corrupção e outros delitos mais. Todos haviam sido amplamente noticiados nos jornais, mas o presidente insiste na versão de que nada sabia, fazendo coro com os dois outros ex-presidentes do partido com o qual se aliou durante a sórdida história recente brasileira. Não é preciso fazer perícia da perícia da perícia do áudio. Toda a história dos últimos dias se resume ao encontro na garagem – o que foi dito é evidentemente importante, mas, o encontro na garagem. Na garagem? As revelações de Joesley, que Temer afirma em entrevista à Folha ter escutado. Meras bobagens, disse o presidente. Bobagens?
Temer atrela sua permanência no cargo à recuperação econômica. Sem ele, não há reformas, quer nos convencer. Não entende o presidente que a crise que o cerca foi por ele criada no momento em que recebeu, há dois meses, Joesley na garagem. Não entende o presidente que, carente de respaldo moral pelo encontro na garagem, perdeu a capacidade de fazer ponte para o futuro. A ponte de sua permanência será para o abismo, econômico, moral, institucional. Ações caem, o dólar dispara, os juros futuros sobem, agências de risco ameaçam rebaixar o Brasil, o veredicto está dado. A permanência de Temer nos levará, novamente, ao caos vivido em 2015. Afinal, as contas públicas continuam insustentáveis – o que segurou o País nesse último ano foi a ponte, que revelou-se mera fantasia. A saída, agora, é construir uma ponte para as eleições de 2018. Afinal, não há reforma sustentável com governo decapitado, assim como não há reforma sustentável com eleições afoitas.
Temer chamou seu artigo de palavras necessárias. Pois foram “palavras apenas, palavras pequenas, palavras”, como diria Cássia Eller.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 24/05/2016
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