O Podcast Rio Bravo entrevista Angela Hirata, presidente da Japan House, o espaço cultural que tem atraído a atenção de um público maciço desde a sua inauguração no início do mês de maio de 2017. Na entrevista, além de falar sobre das exposições de arte, da biblioteca e da área reservada para a divulgação de aspectos da cultura japonesa contemporânea, Angela Hirata comenta que a Japan House pretende articular investimentos de empresas japonesas para o Brasil e para a América Latina. “A partir da arte, sempre vai existir algo que chame a atenção das pessoas, e junto com isso naturalmente negócios são estabelecidos”. A princípio, a Japan House conta com apoio do governo japonês, mas nos próximos anos, segundo afirma a presidente da instituição, a iniciativa terá de caminhar sozinha.
Rio Bravo – O que motivou o governo japonês a pensar nesse espaço da Japan House como mecanismo de divulgação do Japão?
Angela Hirata – Na verdade, São Paulo foi escolhida, como foi escolhida Los Angeles, como foi escolhida Londres. Três Japan House nasceram simultaneamente. Todos nos três países, Brasil, Estados Unidos e Inglaterra, passamos por uma licitação do governo japonês. Nessa licitação aqui no Brasil eu fui escolhida para divulgar o Japão contemporâneo, porque qualquer parte do mundo não conhece o Japão de hoje. Existem sushis, sashimi, caqui, uma série de coisas japonesas, mas o verdadeiro Japão contemporâneo ninguém conhece bem, mesmo porque eles não são muito bons de marketing. São Paulo procura fazer muito no silêncio, não divulgar muito, não falar muito, trabalha intensamente para fazer o melhor, para fazer a melhor qualidade e precisão, mas nunca pensou em estar na frente. Então tem o produto, mas não sabe o que faz. Sabemos que tem tecnologia de ponta avançada, sabemos que existe um sistema bastante interessante para atender a população de idade – a terceira idade, eu acredito que já está na quarta ou quinta idade (risos) – porque é o país que tem o maior número de pessoas acima de 100 anos. Parece-me que já passou de 65 mil pessoas acima de 100 anos. Então tem todo um tipo de produtos, coisas, histórias, que nós não entendemos direito o que é isso. Então a divulgação através da Japan House é isso. Manter a tradição, entender a inovação e contemporaneidade e começar a enxergar o futuro. Esse Japão que não conhecemos, o governo japonês resolveu abrir a Japan House. Como eu disse no início, iniciamos juntos, Londres, Los Angeles e São Paulo. E São Paulo por uma razão bastante interessante. Brasil é o país mais longe do Japão, disparamos na frente. Ou seja, no mínimo seis meses antes de Londres e um ano antes de Los Angeles. Então eu atribuo isso à equipe boa que eu tenho, equipe extremamente alinhada, entendendo o que é o objetivo, a missão da Japan House, e com bom planejamento e plano de ação. Nós inauguramos no dia 30 de abril. É uma casa que vai começar a ter interação com empresas, pessoas brasileiras, para juntos progredirmos. Juntos vamos inovar, juntos vamos inspirar. Esse é o tema do Japan House. O Japan House nasceu para fazer algo juntos. O que falta no Brasil? É tecnologia? É artes de precisão, qualidade? Japão tem isso. Nós temos abundância em reservas naturais, então por que nós não podemos fazer juntos?
Rio Bravo – Existem outros centros culturais em São Paulo, mas logo na abertura da Japan House houve uma atração imediata de pessoas interessadas em visitar o espaço. Eu tive oportunidade de ver isso agora há pouco. A gente está na quinta-feira fazendo essa gravação. Na hora do almoço, muita gente visitando a Japan House. De algum modo vocês esperavam que o público responderia de forma tão imediata a essa nova proposta?
Hirata – Não esperava, não. Esperava, sim, que ia ter sucesso porque é uma coisa nova que ninguém conhece aqui no Brasil. Sou filha de japonês, sou brasileira, mas não conhecia tanta diversidade do que Japão pode apresentar. Para ser sincera, eu aguardava por volta de 600, 700 pessoas por dia. No dia da abertura, vieram 4.300. Média de 3.500 por dia. No sábado, passa de 4 mil. No último sábado passou de 5 mil pessoas. E ontem e hoje a média mantém sempre 3 mil e poucas pessoas. Não esperava, não. É uma responsabilidade muito grande, porque nós percebemos que como o povo brasileiro estava ansioso para saber o Japão novo, Japão diferente. Eu acredito que atribui muito também nessa fase bastante delicada que o Brasil está atravessando, está vindo uma coisa nova que pode abrir uma perspectiva nova de sustentabilidade econômica. Eu acho que isso tem muito a ver também esse lado humano. Japão vem aqui com uma coisa nova. Nós temos a maior reserva de bambus. Veja a maravilha que o bambu, que nós estamos expondo, e que vai lincando com business. Vê a fibra de banana. Onde tem a mais banana? Qualquer canto do Brasil tem banana. Então, está trazendo uma coisa realística. O que nós podemos fazer juntos? Agora, nós vamos fazer uma base muito sólida no Brasil. Talvez mais dois anos ou três, nós vamos fazer toda a América do Sul, porque embaixo do guarda-chuva da Japan House, Brasil tem todos os países da América do Sul.
Rio Bravo – E quais são as perspectivas dessa integração com os países da América do Sul em relação à Japan House? Tem a ver com iniciativas relacionadas a negócios?
Hirata – Artes e negócios. Porque sempre existe a arte, sempre existe uma história, então é lincar a arte com negócios. Sempre vai ter algo que chame atenção, que preencha os olhos das pessoas, e junto com isso naturalmente começa o business. No campo de medicina, educação, estilo de vida das pessoas. É vasta a ferramenta de negócios que essa casa pode oferecer para o Brasil e o Brasil e a América do Sul também podem oferecer isso para o japonês.
Rio Bravo – Há um número definido de exposições que a Japan House pretende receber no ano de 2017?Hirata – Nós estamos pretendendo fazer cada dois meses mudar a exposição. Então a cada dois meses vai ter novidades.
Rio Bravo – Além desse espaço de exposição, o que o público descobre de novidade quando visita a Japan House?
Hirata – O Japão contemporâneo. É isso que vocês estão vendo. Existe a tradição e tem a inovação. Japão é inovação. E a contemporaneidade é o que se enxerga aqui, não só aqui como em qualquer parte do mundo. Porque está tão condicionado Japão na comida, Japão no quimono, Japão nas lanternas japonesas, cerejeira, Monte Fuji…, mas não enxerga as coisas que Japão tem de diferente. Então esse Japão que vão começar a enxergar. Tem também os designers famosos como Kenzo, perfume Kenzo, quem não conhece? Roupas Kenzo, Issey Miyake…, mas os novos não estão enxergando. Esse novo que nós estamos trazendo. A parte de mobilidade também, mobility. Foi o primeiro país que lançou o trem bala no mundo foi o Japão, em 64, 19 anos depois da Segunda Guerra Mundial e não tinha nenhuma planta em Tóquio. Dezenove anos depois estava lançando o trem bala e Olimpíadas. Desde então, eles investiram muito em tecnologia de ponta e na mobility. Então esse tipo de coisa nós temos bom conhecimento. Então isso eles vão começar a enxergar.
Rio Bravo – A relação entre Brasil e Japão vem de bastante tempo. De alguma forma essa tradição que Brasil e Japão já têm de relacionamento pode ser vislumbrada em alguma dessas exposições?
Hirata – Eu creio que sim, mas Japão não trouxe a Japan House para a comunidade japonesa. Trouxe para o Brasil, a comunidade brasileira. Você pode observar que existe, sim, pessoas da comunidade japonesa visitando, mas a maioria é brasileira. Uma coisa para integrar mesmo Brasil e Japão, para vermos o que podemos fazer juntos.
Rio Bravo – Nessa articulação que culmina com a Japan House, qual é o papel desenvolvido pelas empresas japonesas que estão no Brasil? Já existe algo definido nessa direção?
Hirata – Estão cada vez mais próximos de nós para buscar fortalecer mais esse relacionamento. Isso é bem nítido. Mitsubishi, Sumitomo, essas grandes, e também as pequenas e médias empresas japonesas que aqui estão estabelecidas estão bastante ansiosas para aproximar cada vez mais a Japan House para fortalecer esse relacionamento, buscar mais parceiros brasileiros.
Rio Bravo – Um dos trechos que mais me chamou atenção da exposição que está em cartaz tem a ver com a biblioteca que a Japan House expõe. Fale um pouco sobre a curadoria, da escolha desses livros, desses autores e o que isso representa nesse instante.
Hirata – Na verdade, nós temos um curador bastante reconhecido até em nível internacional, que é o Marcello Dantas. Ele tem o olhar para detectar o que nós brasileiros desejamos, não simplesmente o que os japoneses querem mostrar. Até tem coisas que eles querem mostrar e nós entendemos que é interessante, mas essas artes que se encontram aqui foi curadoria dele. Os livros também, então… Não sei se você percebeu, a exposição de livros, também veio um bibliotecário do Japão para facilitar a ver onde está o que eu quero. Por exemplo, quando se fala em comida, tudo o que se relaciona a comida está lá, turismo, cultura, estilo de vida, criança, medicina, tecnologia, está tudo muito bem separado, mas a preocupação em trazer o livro em japonês, mas com a tradução em inglês. Todos os livros que estão expostos têm em inglês, apenas livros de crianças que não estão traduzidos. Mas livros também que o brasileiro gostaria de entender, gostaria de ver, de pegar na mão e ver a curiosidade. Por exemplo, tem uma coisa bastante interessante que é comida. Tem tudo o que se relaciona a comida está lá. Tudo o que se relaciona à história do Japão também está lá. Está lá a história do Império Japonês, o estilo de vida japonês…. É para realmente sentir vontade de pegar o livro e ver. Aquele impulso de entender melhor.
Rio Bravo – Como esse estilo de vida se traduz nessa primeira exposição, dos bambus, que tem atraído não só a atenção do público de modo geral, mas também da crítica? Eu gostaria de ressaltar esse ponto, o fato de o bambu ser um vértice, um caminho para o desenvolvimento de negócios. Como o bambu representa essa dinâmica do Japão com a inovação, por exemplo?
Hirata – Tem uma coisa que se chama meio ambiente. Preservação do meio ambiente. O bambu é natural. Bambu, eu não sabia, mas é grama, não é árvore. Então o bambu nasce em qualquer lugar, não precisa adubar, não precisa de pesticida, nada, ela cresce. E Japão soube aproveitar muito esse bambu e trouxe isso para uso no dia a dia, decoração, tecido, e tudo o que você possa imaginar de utensílio doméstico em bambu existe no Japão. No Brasil, tem vasta reserva de bambu. Você sabia que no Acre tem o maior bambu nativo do mundo? Só que muito mal aproveitado. Eu me lembro que meu pai tinha fazenda de algodão, amendoim, existia um balaio para apanhar algodão, mas uma coisa de utensílio muito simplificado, e vara de pescar. O que mais tem de bambu? Tem algumas coisas feitas pelos indígenas também, mas de percepção de valor nós não temos. Joias de bambu você não vê. Mas veio um artista de joias de bambu, tanto é que está fechando comigo para ver se faz joias usando pedras brasileiras. Então daí você começa a ver o que nós temos para oferecer e o que eles têm para oferecer e juntos vamos progredir. Está muito lincado a isso. Porque essa casa hoje tem investimentos do governo japonês, mas daqui a dois, três anos, ela tem que caminhar sozinha, pela sustentabilidade na economia também. Por isso nós temos que estar sempre buscando para fazer juntos.
Rio Bravo – Esse Japão contemporâneo é bem traduzido na cozinha do restaurante que foi selecionado para estar neste espaço?
Hirata – Com certeza. Ao gosto do brasileiro, mas com todo o conceito japonês. Então, tudo aqui nessa casa existe um conceito. Eu diria uma espinha dorsal, o conceito que nós temos de Japão, mas não quer dizer que o Japão vai dizer: “Olha, você tem que fazer isto”. Então, tem uma espinha dorsal, mas tem que ter os galhos que vamos ter que construir e alinhar com o Japão para apresentar de uma forma melhor para esse país, porque todo e qualquer país atravessou fronteiras, tem barreira cultural. Então temos que respeitar essa cultura, porque nós vamos ter que enfrentar também algumas barreiras culturais da América do Sul daqui em diante. Como nós respeitamos a barreira que temos com o Japão, o japonês também tem que respeitar a nossa barreira. Então existe adequação. O conceito é único em qualquer parte do mundo.
Fonte: Rio Bravo
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