Banqueiro central no Brasil não tem vida fácil. Quando tudo parecia encaminhado na agenda econômica, surge uma nova crise política que eleva as incertezas em relação à aprovação de reformas. A da Previdência é o foco principal, por suas consequências sobre a solvência do governo.
Trata-se de uma agenda de longo prazo, mas com impacto na política monetária, um instrumento de curto prazo. Sem a reforma, a taxa de câmbio sobe e pressiona a inflação.
Além disso, mudanças estruturais afetam a taxa de juros neutra ou estrutural, que é aquela que mantém a inflação estável.
A taxa neutra está provavelmente em queda, devido às reformas já aprovadas, como a regra do teto que disciplina os gastos públicos. No entanto, o adiamento da (inevitável) reforma da Previdência poderá limitar esse movimento, reduzindo o raio de ação do Banco Central. Sem a aprovação tempestiva da reforma, o espaço para corte da taxa de juros poderá ser menor.
Não há como saber o quanto menor. A taxa de juros estrutural não é uma variável que pode ser apurada ou calculada. Ela precisa ser estimada com técnicas econométricas, uma tarefa desafiadora em um país com economia instável e com frequentes quebras e interrupções de séries estatísticas.
Se há grandes dúvidas sobre onde estamos, imagine sobre para onde vamos. Como afirmar com alguma segurança qual será a taxa neutra no ano que vem se a reforma da Previdência não for aprovada?
O BC terá de “testar” esse nível. E aqui, taxa estrutural (de longo prazo) e cíclica (de curto prazo) se confundem na prática. Em momentos como o atual, em que o mercado de crédito não está plenamente operacional, em que há grande ociosidade na economia e a política fiscal é responsável, é possível que a taxa de juros necessária para manter a inflação estável no curto prazo esteja bem abaixo da taxa neutra de longo prazo.
Pode haver espaço importante para redução dos juros, apesar do atraso (que poderá ser grande) na aprovação da reforma da Previdência. Isso, desde que a taxa de câmbio fique bem comportada, refletindo a expectativa dos agentes econômicos de que a reforma tardará, mas virá.
O BC tem adotado postura serena. Reconhece as dificuldades do momento, mas não é precipitado na definição da estratégia da política monetária. Com o recente corte de 1 ponto porcentual (pp) na taxa Selic, para 10,25%, não seria justo acusar o BC de conservadorismo.
O BC sinalizou que, a depender dos desdobramentos de curto prazo, poderá fazer um corte de 0,75 pp na próxima reunião. A cautela é compreensível. A visibilidade de longo prazo diminuiu e já foram cortados 4 pp na Selic.
Diante das incertezas, faz sentido o Copom avaliar em qual erro ele prefere incorrer. O que é melhor, pecar por cortar demais ou por cortar de menos a Selic?
No primeiro caso, o risco seria o mercado passar a acreditar que a reforma não virá tão cedo e o dólar subir muito, forçando o BC a corrigir sua estratégia rapidamente. No segundo caso, a atividade econômica ficaria muito fraca por mais tempo, levando o BC a retomar o ciclo de cortes adiante.
O primeiro erro é provavelmente mais fácil de ser corrigido, tendo em vista o efeito mais defasado da política monetária sobre a atividade (dois trimestres) do que sobre a taxa de câmbio (praticamente imediato). Se a economia estivesse aquecida, a história seria outra.
A demanda interna (consumo e investimento) seguiu em contração no primeiro trimestre e sequer há sinal confiável de estabilização do mercado de crédito, um importante canal da política monetária.
Outros fatores reforçam que o primeiro erro pode ser preferível. A credibilidade do time econômico, os avanços na agenda econômica e a baixa volatilidade das moedas no mundo contribuem para conter o enfraquecimento do real. Um quadro muito diferente daquele do final do governo Dilma.
O tom cauteloso do BC pode ser interpretado muito mais pela necessidade de “testar” de forma cuidadosa a taxa de juros adequada neste ambiente de incertezas do que como sinalização de que o espaço para corte da Selic se reduziu.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 08/06/2017
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