Dia desses o “Valor” publicou uma matéria chamada “O Brasil na rota da direita”.
Parecia a chamada para uma notícia alvissareira, como “Legislação trabalhista na rota da lixeira” ou “Lula na rota da cadeia”. Mas foi no suplemento cultural. E ler suplementos culturais é sempre uma ameaça ao bom humor.
A matéria descreve a tendência no país pela qual as pessoas cada vez mais podem “assumir” que são de direita. O grande espectro que ronda o Brasil, segundo o texto, é Bolsonaro. Não é um artigo mentiroso; de fato o ex-militar tem ganhado adeptos, de fato deixou de ser feio dizer-se de direita no Brasil, sem dúvida a internet tem sido o grande veículo de troca de ideias – nada de novo, nada de falso.
O diabo, porém, está nos detalhes. Não se fala em direita, a não ser em tese. Só há “extrema direita”. Uma foto de passeata pelo impeachment de Dilma é usada para ilustrar “o crescimento do conservadorismo” (se a referência fosse ao conservadorismo contábil, até faria sentido, mas não é).
A desonestidade intelectual revela-se quando a repórter pede opinião de especialistas: Rachel Meneguello, professora de ciência política da Unicamp, Sergio Abranches, sociólogo, Mauro Paulino, diretor do Datafolha, e Antonio Lavareda, outro cientista político.
Abranches, o sociólogo, diz: “Ninguém se assumia como de direita, no sentido de ser conservador, antifeminista, contra a liberdade de expressão generalizada. Isso é um fenômeno muito novo”.
Fenômeno novo é a liberdade de expressão ser bandeira da esquerda. A sociologia deve ser capaz de provar que a Coréia do Norte regime de direita e que o Granma foi fundado por Milton Friedman.
Meneguello, a unicampista, diz que movimentos de direita “vocaliza[m] posicionamentos destoantes da legitimação democrática que sobretudo os governos petistas constituíram com ações e discurso”.
Por um lado é verdade: o PT realmente reforçou muito a democracia. Os cumpanhero, afinal, fizeram tudo tão malfeito que possibilitaram a Lava-Jato. Mas a gente sabe que não foi bem isso que a cientista quis dizer.
E quem leva o troféu é Paulino: “O povo é muito contraditório”, afirma o diretor do Datafolha. ‘Há pessoas que defendem posse de armas, mas ao mesmo tempo acham que a homossexualidade deve ser aceita”.
Hein?
É sempre bom testemunhar um esquerdista deixando aflorar seus preconceitos, como o estereótipo que o Sr. Paulino deve ter de homossexuais como criaturinhas frágeis que se a-pa-vo-ram só de pensar em um revólver ou (ai!) uma espingarda.
Talvez o diretor do Datafolha fantasie usos alternativos para canos, cabos e orifícios ou libere sua criatividade ao ler expressões como grosso calibre ou pump action, mas a verdade é que a única relação possível entre o porte de armas e a não aceitação de qualquer sexualidade é a que se manifesta quando alguém quer impor a sua à força, homo ou hétero, e a vítima evita a agressão por estar armada.
E por aí vai. O texto é recheado de passagens como essas, sem contraponto. É uma pena, ainda mais num veículo de alta qualidade editorial como o “Valor”. Nada contra a tomada de posições, desde que assumida.
Se bem que talvez o efeito gerado seja o oposto do pretendido. As pérolas dos entrevistados são tão caricatas que podem ter efeito semelhante ao da esculhambação geral com que o PT inadvertidamente abriu tantos olhos no país.
Desse jeito, o “Valor” estará contribuindo para manter o Brasil na rota oposta à que uma matéria como esta quer fazê-lo seguir.
É. Acabou que no fim das contas a notícia era mesmo boa.
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