O historiador Francis Fukuyama diz que só a pressão da sociedade civil pode acabar com os desvios na política
Francis Fukuyama, historiador americano e professor de ciência política na Universidade Stanford, tornou-se célebre pela defesa de que democracia e economia de mercado são a melhor combinação para o avanço da sociedade. Nos últimos anos, ele tem acompanhado com especial interesse o Brasil. Aqui, enxerga um país com vantagens únicas e desafios imensos no campo da política. Para Fukuyama, o combate à corrupção se transformou num embate ideológico, o que prejudica o esforço para acabar com esse mal.
O presidente Michel Temer pode ser o segundo presidente brasileiro a ser afastado do cargo no período de um ano. O que está errado com o Brasil?
O problema de fundo é que há uma elite política e empresarial entrelaçada, acostumada com corrupção. Isso não é exclusivo do Brasil na América Latina. O que é singular no país é uma imprensa independente, um sistema judicial atuante e uma sociedade civil mobilizada. A diferença entre o Brasil de hoje e o de 20 anos atrás é que antes a corrupção acontecia e ninguém percebia. As elites varriam tudo para baixo do tapete — e agora não podem mais.
Mas a corrupção continuou a correr solta mesmo com a Operação Lava-Jato em curso…
O que mais me preocupa é se o combate à corrupção é um consenso político da sociedade brasileira. Infelizmente, o que ocorre hoje no Brasil é uma polarização ideológica entre esquerda e direita. Nas primeiras manifestações contra a corrupção, cerca de quatro anos atrás, parecia haver um movimento apartidário de cidadãos que desejavam melhores serviços públicos. Com o impeachment de Dilma Rousseff, a esquerda se viu atacada pela direita e enxerga agora, no caso de Temer, uma oportunidade de revidar. Há, portanto, uma batalha ideológica — e não uma luta contra a corrupção. Isso é ruim, pois tanto a direita quanto a esquerda deveriam mirar em governos de melhor qualidade.
Como outros países lidaram com a corrupção sistêmica?
Os Estados Unidos são um bom exemplo. No século 19, todo burocrata era indicado por um político. De 1880 até a Primeira Guerra Mundial, um movimento progressista, liderado pela sociedade civil, lutou pela modernização do serviço público no país. A sociedade americana desejava governos profissionais e rejeitava políticos corruptos, mas isso levou décadas para ser completamente assimilado na esfera pública. No Brasil, não sei quanto tempo levará para acabar com esse nível de corrupção, mas suspeito que seja trabalho para uma geração.
Como fazer essa mudança com uma classe política desacreditada no país?
É preciso desalojar os velhos atores e dar lugar a novos. Sistemas corruptos não se consertam sozinhos. O Brasil precisa de uma nova geração de políticos que não esteja atrelada ao velho jeito de fazer as coisas e empenhada em agir de modo diferente. Não acho que isso seja impossível, mas exige tempo.
A situação política no Brasil parece pior que a econômica. Essa dissociação é possível
Infelizmente, não. Reformas econômicas produzem ganhadores e perdedores. A reforma da Previdência que o atual governo propõe é importante para o país, mas ela irrita as pessoas, que gostariam de receber o benefício que lhes foi prometido no passado. E aí começa a batalha política. Não consigo ver como haver uma dissociação entre as duas coisas. É preciso aguentar o tranco da crise. No curto prazo, os efeitos são devastadores. Se Temer cair, a instabilidade gerada pelo afastamento de dois presidentes na sequência deve perdurar até 2018.
O país alcançou plenamente o capitalismo?
Nenhum país é 100% capitalista. Se deixar o setor privado por sua conta, haverá corrupção, manipulação do mercado, monopólios, e por aí vai. Em qualquer sistema moderno são colocados limites ao capitalismo, ao mesmo tempo em que é criada uma rede de segurança social para proteger as pessoas do mercado. É uma questão de equilíbrio. Não é desejável que o capitalismo faça tudo o que quer, mas também não se pode politizar qualquer tomada de decisão econômica.
A esta altura, o Brasil não deveria ser uma democracia mais consolidada?
Tudo depende em relação a quem. Em comparação com outros latino-americanos, o país não está tão mal assim. Europeus como Grécia e Itália também têm muito a melhorar em comparação com a Dinamarca. A pressão política contra a corrupção é parte de uma mudança social. Ela acontece devagar no Brasil como resultado do desenvolvimento econômico atrasado. Não é uma questão fundamentalmente cultural, mas de expectativas. Se não acontece nada com quem corrompe ou é corrompido, qual o incentivo para se comportar de forma diferente? É como uma norma social. Isso aconteceu com os fumantes. Antes era bacana fumar, hoje todo mundo vai olhar feio se uma pessoa acende um cigarro num ambiente fechado. As normas sociais só mudam com regras melhores e pressão social.
Fonte: “Exame”.
triste :/