Orçamento de institutos federais caiu 24% em sete anos; diretores alertam que pelo menos dez órgãos podem fechar até setembro
Da porta do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) até o seu escritório, Ronald Shellard, diretor da instituição federal, passa por dezenas de equipamentos cuja manutenção está atrasada. Alguns esperam reparos há mais de um ano. Devido ao contingenciamento de verbas imposto pelo governo, o orçamento aprovado para a unidade em 2017 caiu quase pela metade. Agora, o físico teme não conseguir pagar despesas básicas.
A preocupação de Shellard é compartilhada por cientistas que estão à frente de outros órgãos de pesquisa ligados à União. Nesta semana, diretores de 16 instituições federais e três organizações sociais vinculadas ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) assinaram um manifesto alertando que o corte de verbas causará “danos irrecuperáveis” às suas instalações, o que pode prejudicar o desenvolvimento econômico nacional. Nos últimos sete anos, o repasse total de recursos caiu 24% — de R$ 173,7 milhões para R$ 132 milhões. Shellard calcula que, sem um repasse de R$ 70 milhões, pelo menos dez unidades poderão fechar as portas até setembro.
— Sem esta verba, não conseguiremos pagar os custos fixos especificados por lei: o número de guardas na portaria, o pessoal da limpeza, a conta de luz. Se não cumprir este compromisso, além de interromper o funcionamento do instituto, serei preso por improbidade administrativa — revela Shellard, que liderou a redação do manifesto. — Chegamos a um ponto onde não há mais o que cortar. É uma questão de sobrevivência. Se quisermos incluir a manutenção dos equipamentos, por exemplo, precisaremos de, no mínimo, R$ 100 milhões.
Decadência generalizada
Os 19 diretores discutem a situação de seus institutos há mais de um ano por WhatsApp e, uma vez por mês, organizam uma videoconferência. “O Globo” comparou o orçamento dos órgãos entre 2010 — um momento de euforia para a ciência nacional, devido ao maior repasse de verbas pelo governo — e 2017. Nenhum teve o orçamento aumentado. Em seis, o orçamento caiu mais de 50%.
De acordo com Shellard, cada órgão tem suas particularidades, mas “em geral, somos muito parecidos”.
— Vimos que, quando falamos em uníssono, somos mais ouvidos — conta o físico. — Esta é uma campanha de guerrilha. Estrangular a ciência é uma maluquice. Há diversos exemplos: o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, por exemplo, não está conseguindo renovar os computadores responsáveis pela previsão do tempo, que são necessários para áreas como planejamento econômico e até a segurança nacional.
O “orçamento capenga”, como define o físico, também impede que os cientistas explorem recursos naturais do país.
— O Brasil exporta, na área agrícola, produtos originários de outros países. A soja começou a ser cultivada na Ásia, o café veio da Índia e o cacau é do México. Não há um produto legitimamente nacional — lamenta Shellard. — Falta dinheiro para o investimento nessa área, uma tarefa que poderia ser desempenhada por órgãos como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e o Museu Emílio Goeldi.
Outra preocupação sublinhada no manifesto é a diminuição do número de cientistas empregados nos institutos, já que as vagas de pesquisadores aposentados não estão sendo preenchidas. O quadro de funcionários no Brasil, de acordo com o documento, é “significativamente menor” do que o de outros países em desenvolvimento.
Na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico — entidade que reúne 35 nações desenvolvidas e em desenvolvimento —, são registrados, em média, três vezes mais pesquisadores em universidades do que em institutos governamentais. No Brasil, a proporção é 12 vezes maior. E a diferença não se deve ao excesso de cientistas ligados ao ensino superior, mas de outro sinal da fragilidade dos órgãos sustentados pelo Estado.
Em um levantamento realizado em 12 institutos federais de pesquisa, o MCTIC contabilizou 3.235 servidores em 2010, e 2.741 em 2017 — uma queda de 15,3%. Para evitar uma redução ainda mais drástica, as instituições estão concedendo bolsas aos cientistas que estão próximos da aposentadoria.
Secretário-executivo do MCTIC, Elton Zacarias considera que o manifesto dos cientistas é “legítimo”, mas assegura que a pasta tem verbas para prestar socorros pontuais aos institutos.
— Em maio do ano passado, os diretores estavam assustados porque havia a possibilidade de que os institutos fechariam em poucos meses, e conseguimos as verbas necessárias para evitar que isso acontecesse. Será o mesmo desta vez — destaca. — O orçamento deste ano é um pouco superior ao de 2016, então chegamos em janeiro com uma situação bem mais confortável. Mas todo mundo sabe que, nos primeiros bimestres, a receita do governo foi muito abaixo da expectativa e o Tribunal de Contas da União precisou tomar uma medida, e 40% do nosso orçamento foram contingenciados. Não esperávamos a volta dos problemas financeiros.
Zacarias concorda que a falta de renovação do quadro de cientistas é problemática. Por isso, a pasta enviou para o Ministério do Planejamento uma solicitação de concurso para 1.400 pessoas de nível médio e superior. O pedido está sendo analisado, mas não há previsão de resposta.
— Temos uma equipe envelhecida. Na ciência, precisamos de pessoas de todas as faixas etárias, para que possam seguir uma carreira na área — descreve. — Mas o concurso não será um procedimento simples, porque dividimos em várias categorias. Por isso, ocorreria apenas em 2018.
O MCTIC avalia que os R$ 70 milhões reivindicados pelos cientistas não são “uma quantia excepcional”. Assim, conseguirá aos poucos atender aos institutos, que estão preocupados em manter o funcionamento de seus principais aparelhos.
No CBPF, um dos aparelhos que mais preocupa Shellard é um microscópio eletrônico americano de três metros de altura, comprado há quatro anos por US$ 2 milhões. O equipamento é fundamental para a manipulação de pequenos materiais, como bactérias, e o estudo de suas estruturas. A manutenção, que deveria ser regular, não foi realizada em 2016:
— Nós nos acostumamos a conviver com a penúria. Temos equipamentos parados, sistema de prevenção de incêndio deficiente e refrigeração comprometida. Se nossa luz for cortada, toda a comunicação digital acadêmica e de órgãos de segurança do Rio pode ser afetada.
Fonte: “O Globo”.
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