Numa Copa do Mundo e diante de uma eleição crítica para o destino do Brasil, vivemos de perguntas.
Como Hamlets fazemos a pergunta perene: seremos ou não campeões? Acho curiosa e significativa essa sincronia do calendário futebolístico com o eleitoral. Daquele, temos saído sempre com mais confiança em nós mesmos. Neste, temos nos acertado em termos de princípios, como faz prova a lei dos fichas-limpas, norma crítica para o funcionamento de uma democracia liberal.
Essa conjunção de dois eventos críticos numa mesma temporalidade falaria — pergunto — de uma dificuldade em levar o futebol menos a sério do que as competições eleitorais que são, afinal, um dos pontos críticos das democracias? Não sei.
Sei apenas que eu sempre tenho mais perguntas do que respostas. E a mais séria de todas seria a seguinte: qual a origem da pergunta? Um mito reza que, no tempo em que os animais falavam e o mal ainda não havia se instalado no coração dos homens, ninguém perguntava nada. O mundo era tão ordeiro que ele prescindia de perguntas. As receitas estabelecidas pelos deuses davam conta de tudo. Um dia, porém, um sujeito dormiu além da conta e, contrariando as boas maneiras, questionou se era hora do café ou do almoço. A mulher disse almoço, o pai falou em café. Houve debate e dú vida. Rompendo o tabu, alguém falou que a hora não importava, porque era uma convenção. Um grupo entusiasmouse com a descoberta de que tudo era construído. A comunidade partiu-se e o mundo encheu-se de perguntas como a cabeça de uma criança. Tal como naquele famoso conto de Edgar Alan Poe, “O diabo no campanário”, a fratura de uma rotina desenhada em pedra inventou o caos, a divisão e o mundo jamais foi o mesmo. Desde então, o povo vivia períodos em que era proibido perguntar.
Daí o nome, “ditado-duro”, para essas fases nas quais só cabiam respostas e os perguntadores eram presos.
Em contraste com esses momentos sem vozes, havia as etapas nas quais as perguntas suplantavam as respostas.
O mito termina afirmando que esse povo era feliz e infeliz tanto com respostas quanto com perguntas, de modo que conviver com essas duas pontas da razão humana era melhor do que tentar ficar com a missa pela metade.
A vida pode ser resumida em perguntas.
Será que você me dá um copo d’água? Terei sucesso? Posso te dar um beijo? Serei um bom pai? Fiz alguma diferença? Será que, um dia, eu vou mesmo morrer? Quando vou parar de roubar e começar a trabalhar para minha cidade, estado e país? Com essa cara, essa ignorância e essa insegurança, vencerei as próximas eleições? Deus, você me ajuda? Sou mesmo um predestinado a governar e a “salvar” o Brasil, sobretudo de mim mesmo e do meu partido? Por que eu não me deixo levar pela indiferença interessada, tão trivial no realismo social brasileiro que enxerga tudo, menos a sociedade? Afinal, sou mesmo republicano ou apenas um hipócrita disposto a tirar partido do republicanismo? Posso cantar? Sou mesmo um professor ou um pulha que empulha? Será que o sucesso me apodreceu totalmente, como fez com X, Y e Z? Ou, pelo contrário, me fez ver o mundo de um ângulo mais generoso? Onde fica o banheiro? Sou um perdedor; mas de onde vem essa energia que brota lá de dentro do meu ser? Um amigo religioso diz que é a fé da qual tão maravilhosamente falou São Paulo Apóstolo.
Eu acho que vem de Frank Sinatra cantando “I believe”. Como posso estar de pé se minha vida está, como o carnaval, de ponta-cabeça? Dize-me o que perguntas, dir-te-ei quem és! Shakespeare faz um resumo estonteante: “Quando eu me pergunto quem sou eu, sou o que pergunta ou o que não sabe a resposta?” E, no entanto, caro leitor, a maior e a mais arriscada pergunta que podemos fazer e que, de fato, fazemos a todo momento uns aos outros, é a que Cole Porter produz na musica “In the still of the night”, quando indaga: “Do you love me, as I love you? (Você me ama tanto quanto eu te amo?).” Acreditar ou não numa resposta perfeita a essa questão; ter a coragem de fazê-la; viver sem uma resposta, é — eu não tenho a menor dúvida — o que nos torna perfeitamente humanos.
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