Através de uma Instrução Normativa publicada no final de julho (IN RFB nº 1719/2017), a Receita Federal jogou um balde de água fria em quem comemorou a aprovação da Lei Complementar 155/2016, no ano passado, responsável por incluir na legislação a figura do investidor anjo, possibilitando sua entrada como sócio investidor em um startup, por exemplo, sem que fosse necessária a saída da mesma do Simples Nacional. A novidade “regulamentou” a tributação da remuneração do investidor-anjo pelo imposto sobre a renda, o que desestimula os investimentos nos negócios cujos riscos tendem a ser essencialmente maiores, porém vitais para o desenvolvimento inovador e tecnológico da economia brasileira.
Para entender melhor a questão, o Instituto Millenium conversou com o advogado Pedro Henrique Ramos, especialista em Direito dos Negócios e Desenvolvimento Econômico e Social. Ele explica a importância do investidor-anjo para o desenvolvimento das startups e afirma que “ao contrário da tendência regulatória majoritária em diversos países, a Receita Federal não aproveitou a oportunidade para desenvolver mecanismos de estímulo ao empreendedorismo”. Leia:
Instituto Millenium – O que é investimento-anjo?
Pedro Henrique Ramos – O investimento-anjo é uma modalidade de financiamento para empresas nascentes que cresceu muito nos últimos anos. O termo tem sido utilizado para designar pessoas físicas que apoiam empreendimentos inovadores por meio de aportes de capital semente, isto é, contribuição financeira com o objetivo principal de apoiar os primeiros passos da empresa. Em retribuição, os investidores-anjo possuem a expectativa de receber retornos financeiros da empresa no futuro, seja por meio de participação em seus lucros, seja por meio de ganhos de capital.
Até ano passado, o investimento-anjo não era regulado no Brasil. Contudo, em 27 de outubro de 2016, foi sancionada a Lei Complementar nº 155, que alterou dispositivos da Lei Complementar nº 123 (também conhecida como “Lei do Simples”). Entre as principais inovações da LC 155, destacou-se a inclusão, na Lei do Simples, dos artigos 61-A a 61-D, que regularam a criação do contrato de participação, instrumento que pode ser utilizado por esses investidores.
Imil – Pode explicar a decisão que regulamentou a tributação da remuneração do investidor-anjo pelo imposto sobre a renda? O que muda na prática?
Ramos – A Receita Federal do Brasil publicou recentemente a Instrução Normativa nº 1.719/2017, que regulamenta a tributação dos rendimentos e ganhos obtidos pelos investidores-anjo nos investimentos realizados em microempresas (ME) ou empresas de pequeno porte (EPP) por meio do contrato de participação.
A IN 1.719 determina que todos os rendimentos decorrentes dos aportes de capital – isto é, os valores investidos – do investidor-anjo sujeitam-se à incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), com alíquotas entre 22,5% e 15%, a depender do prazo do contrato de participação. Por exemplo, se o contrato de participação tiver prazo superior a 720 dias, o que geralmente ocorre, a alíquota aplicável será de 15%.
Assim, sujeita-se ao IR a remuneração periódica a que faz jus o investidor-anjo sobre os resultados distribuídos da sociedade (não superior a 50% dos lucros da sociedade investida). A RFB rejeitou o argumento, sustentando por diversas entidades, de que tais rendimentos fossem tributados da mesma maneira que os lucros ou dividendos distribuídos aos sócios da ME ou EPP, hoje isentos.
As outras duas possibilidade de incidência de IR são os ganhos de capital do investidor-anjo decorrentes do resgate do investimento realizado ou da cessão dos direitos do contrato de participação a um terceiro. A alíquota, que depende do prazo do contrato, incidirá sobre a diferença positiva entre o valor do resgate (ou cessão) e o valor do aporte de capital efetuado. Na prática, os contratos de participação estarão sujeitos a uma tributação semelhante à renda-fixa, apesar de se tratarem de investimentos de muito maior risco.
Imil – Por que essa decisão foi tomada?
Ramos – É difícil dizer. Em dezembro de 2016, a RFB chegou a abrir uma consulta pública para debater a proposta da instrução normativa. Meu escritório, o Baptista Luz Advogados, bem como diversas outras entidades interessadas no empreendedorismo no Brasil, enviou contribuições demonstrando nossa preocupação com o fato de que a tributação dos investidores-anjo pudesse tornar esse tipo de investimento pouco atrativo. Apesar de todos os alertas do mercado, a RFB optou por manter sua posição inicial, isto é, tributando os rendimentos do investimento-anjo à semelhança da renda-fixa.
Imil – Como a norma afeta o mercado das startups no país?
Ramos – Ao contrário da tendência regulatória majoritária em diversos países, acreditamos que a RFB não aproveitou a oportunidade para desenvolver mecanismos de estímulo ao empreendedorismo e investimento-anjo. Todavia, a Instrução Normativa não invalida, de forma alguma, o contrato de participação em investimento-anjo que, ainda que tenha se tornado menos atrativo do ponto de vista fiscal, permanece como uma importante conquista do ecossistema de empreendedorismo e que possui, a nosso ver, o potencial de ser um importante instrumento de segurança jurídica para o mercado, especialmente nas questões de proteção patrimonial.
Imil – Qual seria o cenário ideal para o incentivo do investimento-anjo?
Ramos – O cenário ideal é que a RFB considerasse isenta de IR a remuneração periódica a que faz jus o investidor-anjo sobre os resultados distribuídos da sociedade, da mesma maneira que são os lucros ou dividendos distribuídos aos sócios da ME ou EPP. Nesse cenário, haveria um estímulo à atividade dos investidores-anjo, ampliando-se as oportunidades de financiamento das startups no país. Ainda, seria importante que houvesse estímulos para a tributação regressiva do ganho de capital e compensação de perdas, modelos de incentivo que já são adotados em outros países.
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