Se fosse pelo número em si, 0,2% de crescimento, teria até vergonha de comemorar, mas um olhar mais detalhado às entranhas das estatísticas do PIB no segundo trimestre dá um pouco mais de alento acerca do desempenho da economia no curto e médio prazos.
Muito embora o crescimento tenha ficado bem aquém daquele verificado no primeiro trimestre (1,0%), observamos agora a primeira variação positiva da demanda interna em dez trimestres, 0,6%, puxada, como se sabe, pelo forte desempenho do consumo das famílias, que cresceu nada menos do que 1,4%.
É um bom começo, pois o consumo representa quase 2/3 da demanda interna, de longe seu maior componente, seguido pelo consumo do governo, pouco acima de 20% dela. Assim, para onde o consumo se inclina, para lá irá a demanda interna.
Por outro lado, o investimento voltou a cair. À exceção de um soluço no segundo trimestre do ano passado, vem em queda livre há quase quatro anos, acumulando declínio de R$ 108 bilhões (a preços de hoje) desde o terceiro trimestre de 2013, redução próxima a 30%.
Essa combinação de consumo em alta com investimento ainda deprimido tem implicações importantes para o padrão de recuperação da economia depois da pior recessão de sua história.
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Noto, em primeiro lugar, que não há grandes problemas em recomeçar o crescimento por meio do consumo nas atuais circunstâncias.
Há uma folga colossal de capacidade na economia como um todo: mesmo com a modesta queda observada do começo do ano para cá, o desemprego ainda se encontra na casa de 13%, praticamente o dobro daquele observado em 2014 (note que falo aqui da pesquisa utilizada atualmente —a Pnad—, que mede desemprego no país, e não apenas em seis regiões metropolitanas, como se fazia).
Isso sugere que há espaço para a economia crescer sem pressões inflacionárias, ao contrário, por exemplo, do período de 2012 a 2014, em que restrições pelo lado da oferta (baixo desemprego, falta de mão de obra qualificada e virtual inexistência de capacidade ociosa) implicavam limites claros ao crescimento, materializados na combinação de inflação elevada (apesar de controles de preços) e expansão anêmica da atividade.
Em razão disso, o baixo investimento não deve se tornar, agora, um impeditivo à retomada. Mais à frente, porém, caso o investimento não volte a crescer, a capacidade de expansão sustentável do país ficará comprometida e os mesmos gargalos de oferta que minaram a economia brasileira anos atrás irão novamente se manifestar.
Não há, hoje, como dizer quanto tempo temos para retomar o investimento antes que isso aconteça, pois depende da velocidade de expansão da demanda interna nos próximos anos.
No entanto, também esse desenvolvimento sublinha a urgência de acelerarmos as reformas, visto que investimentos em grande escala dificilmente retornarão sem que haja clareza quanto à evolução do endividamento público, por um lado, bem como rumo acerca das medidas que poderão elevar a produtividade no país, por outro.
A retomada do crescimento, ainda que modesta, é motivo para celebração comedida, pois deve marcar o fim da recessão, mas também deixa clara a escala gigantesca do tanto que é preciso fazer para colocar o Brasil numa rota sustentável.
Ah, sim: mais uma vez os keynesianos de quermesse erraram feio.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 06/09/2017
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