Com a queda, nos últimos quatro anos, dos desembolsos do BNDES, os bancos comerciais começam a se estruturar para ganhar terreno no financiamento de projetos de infraestrutura. A inflação baixa, que permite maior previsibilidade em operações de longo prazo, também ajuda. Seja por meio de operações com organismos multilaterais, com fundos de investimento ou mesmo com capital próprio, a participação dos bancos privados no financiamento à infraestrutura tende a crescer. Cálculos da consultoria Inter.B estimam que, este ano, devem ser investidos R$ 101,5 bilhões em obras de saneamento, estradas, portos, aeroportos e energia elétrica, que terão participação mais significativa das instituições privadas.
Segundo fontes, no Itaú BBA, os recursos destinados a projetos de infraestrutura cresceram 70% entre 2016 e 2017, principalmente para projetos de geração de energia solar e eólica. No ano passado, 43 projetos foram analisados pelo banco, que resultaram em financiamentos da ordem de R$ 7 bilhões, o equivalente a 10% dos recursos liberados pelo BNDES para projetos em geral.
As perspectivas para as instituições são positivas, com novos leilões, como os do metrô de São Paulo, esta semana, e de geração de energia, previstos para este ano. O Itaú BBA também já mantém conversas com a Corporação Financeira Internacional (IFC, pela sigla em inglês), braço do Banco Mundial para projetos de infraestrutura de longo prazo.
— Claramente, temos percebido na nossa carteira clientes que têm interesse em estudar outras alternativas além do BNDES. Antes, isso não existia, porque a diferença de juros cobrados pelo banco de fomento e pelo mercado era muito gritante — diz Edson Ogawa, superintendente executivo de Project Finance do Santander.
INFLAÇÃO BAIXA É ESTÍMULO
Na semana passada, o Santander fechou acordo com o Novo Banco de Desenvolvimento, do Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O NBD tem capital de US$ 100 bilhões para esse tipo de investimento e já tem US$ 300 milhões aplicados no Brasil.
A China tem entrado com força em projetos de infraestrutura no Brasil, usando recursos próprios de financiamento.
A convergência dos juros até então subsidiados do BNDES — e imbatíveis para a concorrência — para taxas de mercado é um dos fatores que está colocando os bancos no jogo. Ogawa, do Santander, observa que o custo de operação do BNDES é de IPCA mais 2,7% ao ano. O do mercado, IPCA mais 4,7% ao ano. Ainda é uma diferença substancial, mas que tende a diminuir com o início da utilização da nova Taxa de Longo Prazo (TLP) a partir deste ano. O período de transição será de cinco anos, e, ao término desse prazo, os juros do BNDES serão equivalentes à taxa básica de juros (Selic), hoje em 7% ao ano.
Consultado, o Bradesco informou, em nota, ter “todos os instrumentos e linhas disponíveis no mercado para investimento em projetos de infraestrutura.”
João Augusto Salles, especialista da consultoria Lopes Filho, observa que os bancos sempre hesitaram em entrar em financiamentos de longo prazo, no passado, porque a inflação alta tirava qualquer previsibilidade de retorno. Além disso, diz Salles, há riscos como atraso das obras ou problemas ambientais. Por isso, os bancos tendem a financiar esses projetos por prazos mais curtos.
— Mas, com os problemas fiscais do governo, que impactam os recursos disponíveis no BNDES para empréstimos, a tendência é que os bancos entrem com mais ênfase nesses projetos, emprestando por prazos entre dois e cinco anos e depois rolando essa dívida — diz Salles, lembrando que o BNDES ainda é a principal fonte para projetos de longo prazo.
Para Cláudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B, especializada em infraestrutura, a retração nos desembolsos do BNDES já vem sendo ocupada pelo mercado de capitais, com fundos de private equity e a emissão de debêntures incentivadas, criadas para financiar obras. O Pátria Investimentos, lembra, venceu com lance de quase R$ 1 bilhão o leilão de um trecho de 574 quilômetros de rodovias no interior de São Paulo ano passado, no qual investirá R$ 3,9 bilhões.
— Agora, os bancos comerciais também começam a ocupar mais esse espaço. Estava todo mundo viciado em títulos do governo com juros altos. Com a queda da Selic, bancos, fundos de pensão e seguradoras terão que procurar alternativas com um pouco mais de risco para ter retornos melhores — diz Frischtak, lembrando que os investimentos em infraestrutura no país em 2017, de 1,37% do Produto Interno Bruto (PIB), ainda ficaram abaixo do patamar mínimo necessário, de 2,3% do PIB, apenas para compensar as depreciações.
Dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) corroboram o avanço de novas fontes de financiamento. As emissões de debêntures (títulos de dívida)de infraestrutura, que dão isenção de Imposto de Renda para as pessoas físicas, totalizaram R$ 8,8 bilhões no ano passado, praticamente o dobro de 2016.
Procurado, o BNDES informou que vem criando mecanismos para incentivar a participação do setor privado no financiamento à infraestrutura, como o compartilhamento de garantias da obra com os bancos, evitando que os tomadores de crédito tenham de apresentar contrapartidas adicionais. Segundo o BNDES, os desembolsos caíram porque houve menos leilões de concessão ou privatização.
— Além disso, com muitas empresas que investiam em infraestrutura investigadas na Lava-Jato, a demanda por empréstimos caiu — explica a diretora de Infraestrutura do BNDES, Marilene Ramos.
O BNDES projeta, entre desembolsos e contratação para o biênio 2018/2019, destinar R$ 54 bilhões à infraestrutura.
Fonte: “O Globo”
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