Lula foi condenado por 3×0. Mas não pense que a saga política do ex-presidente já acabou. É uma derrota clara para o lulismo, mas o caminho entre essa decisão e as consequências legais que ela deveria trazer ainda é longo.
É incrível como não temos, no Brasil, nada que seja preto no branco. Nem a decisão da Justiça. Agora, condenado em segunda instância, temos certeza que Lula não será candidato, correto? Não. Ainda tem embargos, ainda pode tentar concorrer sub judice. E se concorrer nesse limbo legal e vencer, temos certeza do que ocorrerá? Também não.
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Quanto à prisão, então, o resultado é ainda mais incerto, porque dá para recorrer no STJ e STF. Não é impossível que a prisão já depois da condenação em segunda instância caia. Continuamos a viver no reino do puro arbítrio, da força política como lei única.
Seja como for, o resultado de ontem enfraquece a posição de Lula, tornando uma candidatura provavelmente insustentável. Ainda faz todo o sentido que prolongue ao máximo sua colocação como candidato, de forma a dar mais chances a quem vier sucedê-lo na chapa. Segue fortalecida a previsão de que, em outubro, seu nome não estará na urna.
Esse é o efeito político do julgamento. Julgamento que, contudo, não foi político, por mais que os partidários de Lula tenham tentado pintar o contrário. Maria do Rosário, por alguma lógica desconhecida, afirmou que a condenação de Lula é equivalente ao extermínio de um jovem negro. Até quando os movimentos identitários vão tolerar esse ponto cego para com Lula, que ao que me conste não é uma mulher trans negra?
Lula não ser candidato depois da decisão do TRF-4 não é uma preferência política. É uma consequência que deveria ser automática graças à lei da Ficha Limpa, lei defendida lá atrás pelos mesmos que hoje exigem que ela seja abandonada para que Lula possa concorrer. Há algo de deprimente numa grande parcela da esquerda brasileira que permanece dependente da figura de seu líder máximo. A falta de propostas e caminhos é tamanha que só se tem uma pessoa a apresentar como solução?
Cada vez mais, a tese do golpe fica insustentável. Neste momento, ela requer a crença de que todo o Judiciário, toda a mídia e a maioria dos partidos políticos estão unidos para destruir a democracia e enterrar um homem, tudo isso para ajudar grandes bancos e outros ricaços do sistema. Só que a pessoa que eles querem enterrar foi justamente aquela que se aliou e ajudou muito muitos dos políticos, empresas e bancos mais privilegiados do Brasil.
Defensores do ex-presidente prometeram colocar fogo no Brasil e mesmo pegar em armas. Está aí uma previsão que podemos fazer com certeza: isso não vai acontecer. E não vai acontecer porque ninguém acredita de verdade na narrativa do golpe e da perseguição contra Lula. É uma narrativa útil, dá algum bônus político e fomenta a polarização da sociedade, mas não é algo que dê para bancar com as próprias ações. A ordem democrática, institucional e legal está evidentemente mantida.
Para quem vive fora da caixa de ressonância petista, o Brasil segue em seu lento avanço. A luta contra a corrupção ainda tem um longo caminho pela frente. As eleições deste ano serão o momento decisivo para nosso futuro político e econômico. Mas a condenação unânime de Lula, sobre quem pesam fartas provas, mostra que as rodas da Justiça ainda giram. Demos um pequeno passo na direção de um país com mais seriedade e mais clareza. Nossos passos são sempre lentos, mas o movimento é duradouro.
Fonte: “Exame”, 25/01/2018