Na história, abundam relatos de vitórias de exércitos superando outros mais fortes. Todos têm enredos parecidos, nos quais o vencedor, mais fraco, tem uma visão mais objetiva da realidade e faz ajustes mais rápidos de estratégia do que o perdedor, com forças armadas mais poderosas, mas lento demais em reagir às mudanças das condições da guerra.
Há paralelos entre comandos de exércitos e de economias, que quando mal executados, aniquilam postos de trabalho e potencial de desenvolvimento de países. Nos dois casos, é possível ganhar batalhas e perder a guerra. O ponto a destacar é a necessidade de adaptar a estratégia rapidamente às circunstâncias para triunfar.
Leia mais:
Julio Hegedus: Uma agenda possível
Helio Gurovitz: Por que reformar a Previdência é tão difícil
Marcos Cintra: A indispensável reforma da Previdência (2)
É fato que o Brasil tem um potencial de crescimento grande, assim como também é fato que países com condições menos favoráveis têm tido um desempenho melhor. Ilustrando o ponto: nas últimas três décadas, enquanto a renda per capita brasileira aumentou 26%, a do México cresceu 45%, a da Colômbia, 90%, a do Chile, 203% e da Índia, 310%. A causa mais importante para o crescimento pífio foi a adoção de estratégias econômicas mais fracas que a dos demais países.
O governo está travando uma guerra para manter a solvência do Estado brasileiro. Mas até agora, está perdendo território, as projeções do Fundo Monetário Internacional mostram uma deterioração das perspectivas da dinâmica fiscal e uma agência de classificação de risco rebaixou a nota de crédito do Brasil. O motivo é a estratégia gradualista adotada pelo governo. É inconsistente com a gravidade da situação.
A dívida pública brasileira está em 80% do PIB e numa trajetória perigosa. As projeções mostram que só deve começar a cair a partir de 2024. Deixando o país vulnerável a um choque de oferta imprevisível, como um evento climático ou geopolítico, fazendo com que sua dinâmica se torne insustentável, inviabilizando qualquer projeto de crescimento para a próxima década.
Algo que pode e deve ser evitado fazendo ajustes estratégicos. A boa prática de política econômica é taxativa e prescreve um tratamento de choque para um quadro como o que a economia brasileira está enfrentando. As três variáveis que afetam o crescimento da relação dívida/PIB são juros e déficits primários que a fazem aumentar e crescimento da economia que a faz cair.
No ano passado, as necessidades de financiamento do setor público totalizaram 7,8% do PIB, 6,1% de juros e 1,7% de déficit primário, aumentando o endividamento. O PIB, que subiu 1%, reduzindo-o. A prescrição é atuar nas três frentes: 1- baixar juros, 2- reduzir o déficit e 3- crescer mais. Seguem três conjuntos de propostas de medidas.
A conta de juros no ano passado foi de R$ 400 bilhões, desse total, aproximadamente R$ 100 bilhões foram com o custo de carregamento das reservas internacionais. É um seguro caro e ineficiente para evitar uma corrida cambial. Pode ser reduzido consideravelmente com medidas como: diminuição do estoque de reservas, modernização da legislação cambial e contratação de uma linha de contingência do FMI.
A conta de juros este ano será menor por conta da Selic mais baixa, que mesmo em 6,75% ao ano continua sendo uma das taxas de juros reais mais altas do planeta. Pode ser reduzida ainda mais com segurança aumentando a potência dos mecanismos de transmissão da política monetária. Para tanto é necessário acabar com a moeda remunerada, reduzir os créditos tabelados e a multiplicidade de indexadores no Sistema Financeiro Nacional.
As atenções estão na reforma da previdência para contribuir na solvência do Estado. A bem da verdade é mais um remendo. Um regime de previdência de capitalização funciona bem quando os trabalhadores na ativa recolhem parte de seus ganhos e os canalizam para investimentos que depois de um tempo geram rendimentos que sustentam os contribuintes nas suas aposentadorias.
No Brasil há um sistema de previdência em bases correntes, que é um eufemismo para expressar a irresponsabilidade de governos anteriores. Seu funcionamento é insustentável. Os trabalhadores atuais pagam para a geração dos que não se preocuparam com o futuro. Como a expectativa de vida aumentou e a pirâmide populacional ficou mais estreita, está com problemas no presente e terá mais no futuro.
O que está sendo proposto no Congresso é necessário, mas pouco. Deve-se fazer algo mais ambicioso, como congelar todos os rendimentos acima do teto, aumentar a tributação sobre esses recursos com alíquotas mais elevadas do imposto de renda e tributar a renda fixa.
Mais importante é livrar-se da camisa de força criada pela Constituição de 1988 com uma reforma fiscal profunda, com destinações globais de gastos e não vinculadas a tributos específicos, consolidando os impostos em poucos, observando princípios de equidade, simetria, neutralidade, simplicidade e eficiência, com o fim da guerra fiscal, com a mesma alíquota em todos os Estados e municípios e com a criação de um conselho tributário independente.
Facilitar a produção e o emprego. Nas comparações internacionais, o Brasil está estagnado no grupo em que é mais difícil empreender e produzir. A consequência é que cada vez mais multinacionais escolhem países vizinhos para produzir e vender para a América do Sul. Há avanços em alguns pontos, mas retrocessos em outros como a lei do cadastro positivo e tratamento residual dado à desocupação.
Mudar o foco no tratamento da inadimplência. A ênfase está em facilitar mais a execução de garantias de dívidas tributárias e bancárias. Até agora, as consequências são preços de ativos mais baixos e menos crescimento. Resultados melhores seriam obtidos reduzindo rapidamente o peso da dívida com ajustes na regulação bancária. Com taxas médias de concessão para empresas dez vezes maiores que a Selic e de rolagem de dívidas em dificuldades cinquenta vezes, não é racional esperar uma inadimplência baixa.
O que está sendo proposto é razoável e factível. É possível acelerar o crescimento, diminuir riscos e dar um choque de otimismo ao Brasil. É isso.
Fonte: “Valor Econômico”, 19/02/2018