Então ficamos assim: sai a reforma da Previdência, cujo objetivo é reduzir a despesa pública, e entra a intervenção federal no Rio, que, para funcionar, exige mais gastos com pessoal, equipamentos e logística.
E tem mais complicação: o gasto com as Forças Armadas é do governo federal, que está submetido a um teto de despesas. Ou seja, se for preciso aumentar o orçamento militar, inevitável, será preciso tirar dinheiro de algum outro item.
O gasto com policiais e equipamentos — viaturas, por exemplo — é do governo estadual do Rio. Ora, o estado já gasta com pessoal mais de 60% da receita líquida, acima, portanto, da regra que determina um teto de 49%. De novo, um governo que já gasta excessivamente com pessoal precisa contratar pessoal.
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O exemplo desse desajuste é forte. A Polícia Civil fluminense tem orçamento para gastar neste ano um total de R$ 1,8 bilhão, sendo 92% para pessoal e encargos. Na Polícia Militar, a despesa autorizada é de R$ 5 bilhões, sendo 87% para pessoal e encargos.
Nessa rubrica pessoal, a maior parte vai para aposentadorias e pensões. Para ficar na PM, para cada coronel na ativa há cinco aposentados, a maioria na faixa dos 50 anos.
Por aí se vê: o desajuste das finanças do Rio somente será ultrapassado com uma reforma estrutural, começando pela da Previdência. Só que isso caiu por causa da intervenção federal, que, por óbvio, está limitada pela carência financeira.
Acrescentemos mais um ingrediente: a intervenção na segurança pública é, mais do que necessária, inevitável, dada a falência do governo estadual. Embora não seja lá essas coisas e também esteja no vermelho, o governo federal ainda dispõe de mais capacidade administrativa e financeira. Portanto, intervir foi uma decisão política correta e que atende aos interesses da população do Rio.
Isso mostra o tamanho e a complexidade do problema: o setor público, em todos os níveis, gasta demais — e não fornece os serviços adequados de segurança, saúde e educação, para ficar nas principais funções do Estado. Gasta demais com pessoal — e faltam funcionários em todas aquelas áreas.
A conclusão é inevitável: é preciso reduzir e aumentar o gasto público, tudo ao mesmo tempo. Demitir e contratar. Por isso, parece que todo mundo está convencido neste debate. Tem razão quem mostra a necessidade de uma severa redução de despesas. Também está cheio de razão quem nota que faltam policiais equipados (e médicos e professores etc.). Ocorre que quem fica em um só lado da história tem uma razão inútil.
Mas é possível cortar e aumentar despesa ao mesmo tempo? É necessário.
Como fazer? Um atalho é ganhar receitas. Mas não com o aumento de impostos, porque aqui está outra contradição. A carga tributária é elevada e não chega para o gasto.
Logo, uma saída é uma onda de privatizações — com as quais o Estado pode fazer caixa, eliminar desperdícios, atrair investimentos e ganhar eficiência em serviços públicos. Até cadeias deveriam ser concedidas à iniciativa privada. A empresa privada administra, e o governo paga uma mensalidade, uma taxa de hospedagem por preso. Podem apostar: o governo gastaria menos assim do que ele mesmo administrando — e administrando tão mal como se verifica.
Privatizações e concessões têm essas múltiplas vantagens. Resultam em ganho de receita e diminuição de despesa. Mas tem que ser bem feita mesmo. Privatizar uma estrada ou um hospital ou um presídio e dizer que o concessionário não pode lucrar muito — isso é simplesmente ridículo.
O segundo ponto é cortar despesas que não afetam os setores da ponta. Atrasar a manutenção de viaturas ou de viadutos é economia suja. Mas é evidente que nas burocracias intermediárias tem gente sobrando e gente que trabalha pouco e produz nada — isso tanto nas estatais quanto na administração direta. E com os melhores salários. Há estatais e órgãos inúteis que só estão aí pela inércia.
O terceiro ponto é controlar a principal fonte de desequilíbrio financeiro estrutural. Ou seja, fazer a… reforma da Previdência.
Esse é o desafio político do momento: o surgimento de lideranças responsáveis e capazes de convencer o eleitor da necessidade daquelas múltiplas tarefas.
Desconfie dos que só apontam um lado da história. É enganação.
Fonte: “O Globo”, 22/02/2018