A consequência mais relevante da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é política. Paradoxalmente, ela contribui para a estratégia que Lula e o PT adotarão na campanha eleitoral.
A primeira decisão que Lula deverá tomar é: submeter-se à Justiça ou desafiar a ordem do juiz Sérgio Moro, que lhe dá até 17h de hoje para Lula entregar-se à Justiça no Paraná?
A sabedoria recomenda que ele se entregue, pois desafiar um juiz equivale a violar a lei. Mas a resposta ainda depende do êxito do habeas corpus com que sua defesa tenta invalidar a ordem de Moro. Não é difícil entender o arrazoado jurídico de seus advogados.
Moro contrariou a expectativa geral, segundo a qual Lula seria preso apenas depois que sua defesa apresentasse os últimos recursos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), cujo prazo se esgota no próximo dia 10.
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Esse prazo demarca a segunda oportunidade para os advogados de Lula entraram com pedidos destinados a esclarecer pontos obscuros da decisão, chamados tecnicamente de “embargos dos embargos”. Os primeiros embargos foram negados no último dia 26.
O exame dos novos embargos marca formalmente o encerramento do processo na segunda instância da Justiça, momento a partir do qual a prisão de Lula foi autorizada pelo STF. Sob a ótica da defesa, Moro ainda não poderia ter decretado a prisão. Só que ele foi autorizado a fazê-lo pelo próprio TRF-4. Por um motivo simples: os novos embargos não teriam, como não tinham os primeiros, o poder de alterar a sentença ou a pena. No jargão jurídico, não têm “efeito suspensivo”.
“Não cabem mais recursos com efeitos suspensivos junto ao egrégio TRF-4”, escreveu Moro em seu despacho. “Hipotéticos embargos de declaração de embargos de declaração constituem apenas uma patologia protelatória que deveria ser eliminada do mundo jurídico.” Sem nenhuma “patologia protelatória”, Moro levou apenas 22 minutos entre o momento em que recebeu a autorização do TRF-4 e a emissão de seu despacho.
Ainda que que Lula obtenha o habeas corpus, sua prisão será inevitável. Desafiá-la seria uma ruptura com a lei. O confronto explícito com a Justiça levaria imediatamente à convocação do aparato policial. Quando a prisão é inevitável, entregar-se é sempre a melhor saída.
Mesmo do ponto de vista político. A esta altura, Lula sabe que não poderá ser o candidato petista nas eleições presidenciais. Não há nenhuma ambiguidade na Lei da Ficha Limpa, que veta as candidaturas de condenados em segunda instância.
Caso apresente o registro de sua candidatura, seria negado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Lula só poderia fazer campanha se obtivesse uma liminar do STF. Isso dependeria da sorte e, no final, seus votos poderiam ser declarados nulos.
O objetivo político de Lula, portanto, é outro. Ele precisa fazer campanha para levar ao poder outro candidato, do PT ou de seu campo político, na esperança de um indulto a seus crimes. A essência dessa campanha é apresentar-se como perseguido da Justiça.
Ao mandar prendê-lo com rapidez, Moro contribui indiretamente para alimentar essa narrativa. Aos acólitos de Lula, a ordem de prisão expedita é uma evidência – mais uma – da eterna conspiração que quer vê-lo fora da política. É uma estratégia que está em pleno andamento.
O despacho de Moro foi classificado pela defesa como “a mais rematada expressão do arbítrio no século XXI”. Fala-se em “estado de exceção”, “tragédia para a democracia”, “perseguição política” a “qualquer programa que valorize a área social” ou à “pauta progressista”.
O que está em questão, por óbvio, não é nada disso. Ao longo de anos, uma quadrilha espoliou a Petrobras e beneficiou políticos de diversos partidos. Lula foi condenado em duas instâncias num processo com amplo direito de defesa. Recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao STF. Nas três primeiras instâncias, nove juízes negaram seus argumentos. No STF, outros seis – cinco indicados em governos petistas.
Condenados sempre têm como último recurso o jus esperniandi. No caso de Lula, até mais que isso. Há a encenação política, as bandeiras vermelhas, os acampamentos, protestos, vigílias e até a convocação de uma “resistência democrática”. Se seus partidários têm mesmo tanto apreço assim pela democracia, deveriam entender que ela começa pelo respeito à lei. Lei que proíbe o desvio de dinheiro público e manda prender os corruptos.
Fonte: “G1”, 06/04/2018