Um motor potente da estupidez política é o comportamento de trincheira. As pessoas votam não tanto a favor de um candidato, mas contra inimigos imaginários. “Não gosto daquelas pessoas, então vou votar em quem consegue perturbá-las o máximo possível.”
Tanta gente defende um tolo como Bolsonaro não por enxergar virtudes no deputado, mas por sua deliciosa capacidade de irritar a esquerda. Votando em Bolsonaro, se vingam psicologicamente da filósofa que odeia a classe média, do professor para quem o capitalismo causa fome e de quem ainda apoia Nicolás Maduro.
Gregorio Duvivier, na coluna desta semana, mostrou que também adota esse comportamento infantil. Escolhe seus políticos por ojeriza a gente que tem preferências diferentes das dele –como o motorista da SUV blindada, a grã-fina, o dono do bordel. Que se dane se Lula é um Maluf de barba e discurso de luta de classes –o importante é jogar bombas de tolices na fronteira inimiga.
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Fora da trincheira, é fácil perceber que a esquerda é o grupo que mais deveria se revoltar com Lula. Foi a esquerda que Lula mais fez de palhaço de 2003 para cá.
O PT passou 13 anos no poder sem legalizar o aborto ou a maconha. Lula não levou essas questões à pauta nem mesmo quando tinha o Congresso nas mãos e 82% de aprovação.
O PT privilegiou empreiteiras, banqueiros, milionários, madames. Fortaleceu um capitalismo de compadres em que só ganha dinheiro quem é amigo do rei, e não quem oferece um serviço melhor ou mais barato. Aumentou a corrupção quando tinha poder suficiente para contê-la.
Já as mancadas econômicas de Dilma criaram o pior dos mundos para os pobres (crescimento baixo, desemprego e inflação alta) e um paraíso para os rentistas.
Como pode uma gente que foi tão enganada dizer com orgulho que prefere continuar sendo enganada?
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Em vez de saudar a prisão do homem que os trapaceou, continuam seguindo o líder supremo, como se fossem soldados disciplinados. Aderem uma melancolia coletiva por causa da derrota do seu Jim Jones. Falam as bobagens mais constrangedoras para defendê-lo.
Gregorio, por exemplo, diz que o antilulismo é “rentista”. Por esses trechos dá pra perceber que o rapaz não entende nada do que está falando. Rentistas lucram com a alta do juro. Eu, como um legítimo representante dos rentistas, posso afirmar que até tenho saudades de Dilma. Ganhava muito mais com ela (Selic a 14,25% ao ano) que com Temer (Selic a 6,5% e juro real cada vez menor).
Falando nisso, a reforma da Previdência provocaria um choque de confiança nas contas públicas que faria a taxa de juros baixar ainda mais. Talvez resultasse no fim do rentismo no Brasil. Mas Gregorio Duvivier, para o bem dos rentistas, é contra a reforma da Previdência. Vai entender.
É triste, mas é assim que as pessoas agem. Cada lado escolhe seu espantalho e, por ressentimento, apoia picaretas e sociopatas. O eterno petista e o bolsominion são irmãos gêmeos que não se suportam.
E ainda tem gente que defende dar mais poder a políticos escolhidos por eleitores que se comportam assim.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 11/04/2018