No dia 23 de março, Donald Trump colocou o mundo em suspense ao anunciar a sobretaxação de 25% para as importações de aço e 10% para as de alumínio. Variados foram os protestos, com os países mais afetados ameaçando com represálias ou mesmo apelando à OMC.
Passados alguns dias, Trump foi “amaciando” seu discurso e anunciou que países como os da União Europeia, México, Brasil, Canadá e Japão, estariam isentos desta taxação, enquanto negociando com a USTA da EUA. Nada falou, no entanto, sobre a China, um dos parceiros mais emblemáticos dos EUA. Isso abriu espaço a especulações. Muitos passaram a comentar que toda esta encenação urdida tinha a China como alvo. Desde então, ao que parece, é o que de fato vem acontecendo.
Numa primeira abordagem, o anúncio inicial desta sobretaxação afetou os chineses em US$ 3 bilhões. Como pronta reação dos chineses, foi anunciada a taxação de US$ 1,2 bilhão para sucata de alumínio e US$ 200 milhões para tubos de ferro e aço. Tivemos, então, o início de uma escalada de ataques e contra-ataques. Em resposta, Trump determinou a sobretaxação de 25% sobre 1.300 produtos industriais chineses, totalizando US$ 50 bilhões, argumentando que a China violava a propriedade intelectual dos produtos. Como boa parte dos produtos sobretaxados é de insumos da cadeia produtiva e não bens finais, o risco maior é de encarecimento dos bens finais norte-americanos, com impactos na inflação.
Leia mais de Julio Hegedus Netto:
Cenário pós-Lula
Um legado
Macroestratégia semanal
Em resposta, a China veio com mais represálias, anunciando uma lista de 106 produtos, também envolvendo o comércio de US$ 50 bilhões entre os dois países. Neste grupo teríamos automóveis, aeronaves, soja, etc. Os chineses, aliás, são o segundo maior mercado da Boeing, depois dos EUA. Além disso, ao taxar os produtos agrícolas, o objetivo da China é afetar a base eleitoral do presidente Donald Trump, toda ela concentrada nas regiões rurais dos EUA.
Interessante lembrar também que um dos pilares do programa de governo de Donald Trump é colocar os chineses como os “maiores inimigos comerciais do país”, por estes adotarem práticas desleais de comércio, manipular a taxa de câmbio e praticar preços artificialmente baixos, no chamado “dumping”. Em Davos e no “Discurso da União” no Congresso no ano passado, Trump reforçou este discurso mais duro contra a China, ameaçando sobretaxar os produtos chineses em até 45%. Em janeiro deste ano passou do discurso à prática, anunciando a taxação sobre painéis solares e máquinas de lavar.
O déficit comercial dos EUA com a China foi a US$ 375 bilhões em 2017 e só vem piorando nos últimos anos, como podemos ver no gráfico ao fim. No começo do governo Clinton, em 1993, estava em US$ 23 bilhões e, desde então, só piorou, passando a US$ 84 bilhões ao fim do ciclo Clinton em 2001, chegando a US$ 268 bilhões ao fim do governo Bush em 2008, piorando nos oito anos do governo Obama, até o rombo neste ano de 2018, no acumulado em US$ 58 bilhões. A título de comparação, o déficit de US$ 375 bilhões no ano passado acabou seis vezes maior do que o do México.
O déficit geral dos EUA, aliás, também é crescente. Em 1991 estava em US$ 77 bilhões, chegou a US$ 837 bilhões em 2006 no ciclo Bush, caiu a menos de US$ 800 bilhões nos oito anos de Obama, crescendo um pouco com Trump (US$ 810 bilhões em 2017).
Diante destes dados, não é de surpreender que o presidente Trump venha tentando reverter este quadro. O déficit com a China representa 46% do déficit global norte-americano.
Importante observar também que os EUA possuem uma situação fiscal preocupante que o fragiliza neste confronto.
Sua dívida pública passa dos 100% do PIB e o déficit público se encontrava em US$ 660 bilhões em 2017 e só tende a aumentar neste ano. Em contrapartida, a China é o principal credor dos norte-americanos, carregando títulos públicos norte-americanos no total de 40% para um total de reservas cambiais de US$ 3,14 trilhões.
Não podemos desconsiderar, também, que desde quando a China ingressou na OMC seus contenciosos comerciais só se avolumaram. Vários são os países que reclamam das suas práticas de comércio, do chamado dumping social, usando mão de obra, muitas vezes, semi-escrava, do roubo de know how, de propriedades intelectuais de outros países, manipulações de câmbio, etc.
Por outro lado, com Donald Trump no poder, por bem ou mal, vamos vivendo aos solavancos, numa escalada de tensões localizadas, não sendo surpresa se transformadas em conflitos armados. Na semana passada, tensões na guerra da Síria, com ameaças de intervenções mais contundentes, voltaram a colocar o mundo em suspense. O problema aqui é que no apoio ao presidente da Síria, Bashar Al Assad, teríamos o líder da Rússia, Vladimir Putin, tornando o futuro da geopolítica global ainda mais incerto.
Enfim, tomara que estas tensões comerciais entre China e EUA não passem de jogo de cena do presidente Trump no esforço de desviar o foco para as suas agruras domésticas.