Por Ives Gandra e Antonio Carlos Rodrigues do Amaral
Onde estarão as oportunidades da escalada protecionista nos EUA e como daí construir uma agenda exportadora positiva para o Brasil? A desorganização do comércio internacional é perigosa, como a História demonstra, mas apresenta boas chances para um país que exporta pouco como o Brasil. Embora a desarmonia possa ser ameaçadora, não é essa a visão acolhida pela recém-lançada política comercial de 2018, a Trade Policy Agenda (TP) de Trump. Indicando a China como a grande adversária econômica, a TP afirma que o intervencionismo estatal chinês é incompatível com uma economia de mercado, erroneamente reconhecida como tal pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
Os EUA declararam o fim da rodada Doha de 2001, que visava a ampliar o comércio com a redução das barreiras à exportação, especialmente na agricultura. Em 2018 os desafios são mais amplos, incluindo também comércio digital, propriedade intelectual, realinhamento de regras de acesso a mercados, distorções nos tratados multilaterais, nos meios de solução de controvérsias da OMC e as distorções da economia chinesa. O protagonismo da China como maior importador e exportador global impõe uma nova agenda comercial planetária. A TP reconhece a importância da OMC, mas afirma que o multilateralismo deve ser ajustado para reequilibrar os negócios internacionais, considerando a relevância dos EUA como a maior e uma das economias mais abertas do planeta. Indica que revisarão acordos, como do Nafta e da Coreia do Sul, além de aperfeiçoar sua rede de acordos bilaterais.
A TP enfatiza o “America first”, mas não indica “America only”. Mundialmente, em 2017 os EUA exportaram US$ 2,3 trilhões e importaram US$ 2,9 trilhões. Compraram da China US$ 506 bilhões e lhes venderam apenas US$ 130 bilhões. Exportaram insumos para montagem de baixo custo pelos chineses e compraram produtos acabados de alto valor agregado. É um desajuste que Trump pretende corrigir, pois o baixo custo de industrialização chinês seria decorrente do dirigismo estatal, e não das regras de mercado. A China promete retaliar as novas práticas norte-americanas.
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E como fica o Brasil nesse conflituoso cenário internacional?
A Secretaria de Assuntos Estratégicos (Seae) do governo federal, coordenada pelo professor de Harvard Hussein Kalout, no recente relatório Abertura Comercial para o Desenvolvimento Econômico aponta que o Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo, que apura ganhos reduzidos no comércio internacional, é ineficiente e com baixos níveis de bem-estar. Assinala como solução a abertura comercial, com a redução de barreiras tarifárias e não tarifárias, a modernização do regime regulatório e a criação de políticas públicas para requalificação da mão de obra. Em médio e longo prazos, conclui a Seae, haverá ganhos substanciais na criação de empregos e na produtividade, com mais inovação e competitividade, além de melhorar a qualidade da mão de obra e dos bens e serviços ofertados, com a redução do nível geral de preços em benefício das empresas e da população.
O Brasil importa 85% de manufaturados e exporta apenas 37% nessa categoria. Estando fora das cadeias globais de valor, exporta sobretudo produtos básicos de baixíssimo valor agregado. Se os preços das commodities caem, o impacto negativo é imediato. A China, maior parceiro comercial do Brasil, em 2017 comprou US$ 50,2 bilhões, principalmente matérias-primas brutas como minério de ferro e soja, e nos vendeu US$ 27,9 bilhões de produtos industrializados sofisticados, como peças de televisão, computadores e celulares. Como o preço dos eletrônicos chineses é beneficiado pelas distorções da sua economia, e os brasileiros sofrem com burocracia, complexidade normativa, tributos elevados e insegurança jurídica, há perda de competitividade para a indústria nacional e desincentivo à inovação, à pesquisa e à qualificação da mão de obra. Os EUA, segundo maior parceiro comercial brasileiro, compraram US$ 26,9 bilhões, principalmente de produtos industrializados, e nos venderam bens no valor de US$ 24,8 bilhões. A qualidade da exportação brasileira para os EUA é, assim, substancialmente superior à que se faz para a China.
Os EUA importarão menos dos chineses, já impondo novas tarifas para aço, produtos farmacêuticos, peças de aviação, semicondutores, máquinas, motos e lava-louças. Em retaliação, a China importará menos dos EUA, com restrições a etanol, commodities, incluindo frutas, e carne suína, entre outros. Abre-se assim uma janela de oportunidade para incremento das exportações brasileiras para ambos os mercados e que ainda são muito reduzidas. Os EUA, a maior economia mundial, apregoaram a disposição de negociar com seus parceiros. A Seae convida o Brasil, uma das economias mais isoladas, à abertura comercial, que é o que os EUA desejam de suas contrapartes. E ampla pesquisa de 2017 da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) aponta que quase 70% das empresas brasileiras consultadas indicam os EUA como prioridade para sua internacionalização.
Há um universo riquíssimo a ser explorado com os EUA para o crescimento das exportações, expansão dos negócios e ampliação dos investimentos norte-americanos no Brasil. Um dos pilares da TP é a negociação de melhores acordos comerciais e o pedido de renovação da Trade Promotion Authority do presidente até 2021. Isso demandará uma atuação pragmática, expressiva, ativa e abrangente do governo brasileiro. Se o protecionismo é o tônus atual dos EUA, há oportunidades e a necessidade de se ampliarem construtivamente as ações e gestões bilaterais, que serão exigentes e complexas, para o bem do setor exportador e da sociedade brasileira.
Fonte: “Estadão”, 24/04/2018