Ampliar a digitalização da agricultura no Brasil é o propósito da InCeres, em Piracicaba (SP), que utiliza inteligência artificial para prever a fertilidade do solo com base em entradas e saídas de nutrientes.
“A partir de um ponto de início – a base de dados com a qual o produtor alimenta o software – o algoritmo vai calculando tudo o que entra e sai, como numa conta bancária”, disse o engenheiro agrônomo Leonardo Afonso Angeli Menegatti, pesquisador responsável por um projeto de pesquisa apoiado pela FAPESP e pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) no âmbito do Programa PIPE/PAPPE Subvenção.
O solo precisa de nutrientes para produzir – fundamentalmente, de cálcio, magnésio, fósforo e potássio. E, ao produzir, “exporta” esses nutrientes para a planta. Diferentes culturas absorvem diferentes quantidades de nutrientes do solo. A produtividade do solo também depende da frequência de chuvas, pois a água da chuva também leva nutrientes embora. “E dependendo do tipo de solo, essa perda pode ser maior ou menor”, disse Menegatti.
Se nutrientes são removidos do solo na colheita, ou se são dispersados com a água das chuvas, eles precisam ser repostos por meio da adubação. Cabe ao engenheiro agrônomo recomendar ao agricultor os insumos e as quantidades necessárias para repor as perdas. “O processo de recomendação é semelhante a uma consulta médica. Após o diagnóstico, o agrônomo receita insumos”, disse.
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No caso da agricultura tradicional, esse diagnóstico costuma ser feito a partir de análises químicas do solo. Contudo, uma mesma propriedade pode ter necessidades diferentes conforme o local. E a realização de análises químicas encarece a produção: a análise de solo, que costuma ser feita a cada dois anos, custa em torno de R$ 40 o hectare.
O uso do aplicativo em desenvolvimento poderá representar uma drástica redução de custos, de acordo com Menegatti. “O agricultor poderá ficar até 10 anos sem precisar fazer análise de solo. Se em um período de 10 anos ele gastaria R$ 200 por hectare (fazendo coletas de R$ 40 a cada dois anos), com o novo sistema poderá gastar apenas R$ 40, o que representa, nesse período, 80% de economia na produção”, disse.
O aplicativo em desenvolvimento pela InCeres analisará a fertilidade do solo com base em dados de entradas e saídas de nutrientes obtidos em estudos do solo, condições climáticas, tipo de cultura e também imagens de satélite. “Com a imagem de satélite é possível visualizar onde as plantas estão se desenvolvendo mais ou menos, o que afeta a extração de nutrientes”, disse Menegatti.
Segundo o pesquisador, a avaliação desses dados permitirá usar o software para prever a fertilidade em diferentes locais da propriedade com alto grau de precisão. “Em resultados preliminares obtivemos 77% de correlação, mas nossa meta é chegar a 95%”, disse.
Revolução digital
O aplicativo desenvolvido pela InCeres é um exemplo de agricultura digital, uma evolução da chamada “agricultura de precisão”, que chegou ao Brasil no início dos anos 1990, tendo Menegatti como um de seus precursores no país.
Baseada no gerenciamento das informações coletadas no campo, a agricultura de precisão experimentou um grande avanço com a introdução dos sistemas de navegação por satélite e o uso de imagens georreferenciadas na agricultura, que permitiram a geração de mapas de produtividade.
No mestrado, realizado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP, entre 2000 e 2002, com Bolsa da FAPESP, o pesquisador definiu protocolos para análise e interpretação das informações contidas em mapas de variabilidade do solo. Em seguida, criou uma consultoria agronômica, a Apagri, para aplicar no mercado os conhecimentos da agricultura de precisão, atuando ainda com poucos recursos tecnológicos. “Foi difícil. Sou agrônomo, faltava-me informação para resolver questões técnicas”, disse.
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Menegatti conta que, na época, enfrentava problemas como demora no processamento de mapas e na geração de relatórios, bancos de dados inseguros e perdas de informações. “E ainda não havia a computação em nuvem. Trabalhávamos em softwares instalados no computador. Hoje já se pode trabalhar com um simples smartphone”, disse.
Então, a partir de 2007 e até 2013, “resolvendo um problema depois do outro” com a ajuda de profissionais da área de tecnologia, o pesquisador foi desenvolvendo novas soluções para o manejo das lavouras. Foi nesse contexto que nasceu a InCeres, em busca de maior agilidade e exatidão na análise dos dados.
No fim de 2014, a InCeres estava estabelecida como uma empresa de desenvolvimento de softwares para manejo da agricultura, oferecendo soluções tecnológicas para aplicação da agricultura de precisão. Incubada na EsalqTec, a InCeres faz parte do grupo de empresas do Vale do Piracicaba, a AgTech Valley, polo brasileiro de tecnologia voltado à inovação agrícola.
A partir desse projeto, a empresa expande-se para o campo mais amplo da agricultura digital – no qual se insere a agricultura de precisão –, empregando tecnologias que permitem a criação de simulações computacionais a partir da análise dos dados armazenados em nuvem.
Mais do que gerenciar informações, a partir das quais o engenheiro agrônomo atende às demandas do trabalho cotidiano, a tecnologia em desenvolvimento pode prever como o solo se comportará no futuro. Na opinião de Menegatti, ela tem o potencial de revolucionar a agricultura brasileira.
+ Soluções tecnológicas para o campo
Segundo o pesquisador, hoje a agricultura é o setor menos digitalizado da economia; apenas 20% da agricultura brasileira emprega recursos computacionais. “Quero acelerar a curva de adoção da tecnologia reduzindo o custo de digitalização da agricultura”, disse.
Com a perspectiva da diminuição das coletas de análise de solo e a consequente (e significativa) diminuição de custos, Menegatti acredita ser possível vencer eventuais resistências. “O agricultor tende a ser avesso a mudanças, ele não gosta de assumir riscos. Mas o risco está relacionado ao custo. Reduzindo o custo, reduzo o risco”, disse.
Em pouco menos de três anos, a InCeres já atende cerca de 60 empresas agrícolas e mil agricultores de todo o país. E vem buscando projeção internacional participando de competições de startups.
Em agosto de 2017, participou da Agro Innovation Lab, na Alemanha, e, dentre 350 startups do mundo todo, ficou entre as 15 melhores empresas do segmento agrícola. E, em setembro, participou da etapa regional do Startup World Cup, a “Copa do Mundo” das startups, realizada em São Paulo, ficando entre as 11 finalistas.
Fonte: “Pequenas Empresas & Grandes Negócios”