Até os velhos sete pecados capitais foram atualizados pelas virtudes da era digital.
Inveja, vaidade, soberba, luxúria, ira, preguiça e gula, gravíssimos pecados contra a lei de Deus, ameaçados com as chamas do inferno, com a tecnologia digital atingiram um esplendor nunca sonhado.
O WhatsApp, o Facetime e outros aplicativos de texto, foto, áudio e vídeo parecem feitos para a luxúria e a libidinagem. Tela ideal para voyeurs e exibicionistas, campo aberto para mensagens safadas de sexing e nudes, seja para grandes amores ou para putarias, a luxúria agradece com orgasmos digitais. Claro, sexo ao vivo é insuperável, mas é no seu desejo, na sua espera, nas ânsias da paixão, que a luxúria digital cresce e aquece.
Alguém acredita que milhões de pessoas que veem no Facebook e no Instagram pessoas alegres e felizes em lugares maravilhosos também ficam felizes? O preço da vaidade é a inveja, mas isso já é outro pecado. O que seria de um Gilmar Mendes sem TV ao vivo e mídia digital? O que pode ser melhor para vaidosos, com ou sem razões para tal, do que exibir seu corpo e alma para todos?
Seu complemento natural é a inveja, que levou Caim a matar Abel. Hoje, o ódio e a ira usam a divergência para cuspir inveja e ressentimento em palavras, voz e imagem.
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A soberba, que antecede à queda, bombou na era digital, assim como as quedas, com qualquer um exibindo seu orgulho e seu desprezo pelo outro diante de todos. Só que agora, no inferno digital, vira meme ridículo e viraliza na hora.
Que arma melhor para a ira do que o Twitter? As ancestrais iras bíblicas perdem de longe em volume e intensidade. O que seria do Brasil de hoje sem os irados das redes? Estariam se matando nas ruas.
Os maiores aliados da preguiça, que minha mãe dizia ser “a mãe de todos os vícios”, são o Netflix e a Amazon Prime, que economizam filas e exaustivas idas ao cinema. E o YouTube e o Spotify, que têm a música e o vídeo que você quiser, na ponta dos dedos. Na sua cama, o mundo aos seus pés.
E, finalmente, a boa e velha e insaciável gula chegou ao paraíso com o iFood.
É, já não se peca como antigamente.
Fonte: “O Globo”, 27/04/2018