Ao longo de 2017 houve um intenso debate acerca da adoção da Taxa de Longo Prazo (TLP) em substituição à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Nesse debate, assumi um lado: fui, desde o início, a favor da proposta de a necessidade da nova taxa convergir com as taxas de mercado e defendi o argumento quando compareci à Comissão Mista que discutiu a Medida Provisória 777. Tendo amigos próximos em ambos os lados do debate, entretanto, e dada a alta voltagem do tema, evitei me expor em demasia, para não prejudicar a capacidade de diálogo com os participantes da controvérsia.
Agora a TLP é uma realidade e com o fim da TJLP para novas operações surge no radar um novo debate, em relação aos bancos de desenvolvimento. Há três atitudes sobre isso.
A primeira é considerar que tais bancos não se justificam. Sendo funcionário do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), não sou neutro para opinar acerca do tema. Trata-se de um ponto de vista que respeito, mas não compartilho. Pode haver espaço para esse tipo de instituições, mesmo num país com juros baixos. O fato de haver algumas delas em economias estáveis sugere que esse espaço existe e pode ser bem explorado.
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A segunda atitude é considerar que existem falhas de mercado que justificam o papel do BNDES. Duas questões merecem especial atenção: 1) As micro, pequenas e médias empresas, em relação às quais há restrições de acesso e que ensejam a atuação de um intermediário que empreste para aqueles que teriam dificuldades de obter recursos no mercado ou só o fariam a taxas elevadas; e 2) a infraestrutura, cuja demanda por financiamento é de tal magnitude e por prazos tão elevados que torna importante a presença de um agente que cumpra as funções de provedor de parte do funding requerido pelos projetos, membro do sindicato constituído para tal e, eventualmente, agente coordenador.
Há outras questões, como o desenvolvimento do mercado de capitais; a transformação dos modelos de negócio empresariais; a contribuição para a maior inserção global do País; a melhora da educação e das condições de saúde e segurança pública; a participação parcial no financiamento às exportações; o estímulo à inovação e ao empreendedorismo; o apoio às ações ligadas à sustentabilidade; e os objetivos ligados ao desenvolvimento regional, que também se inserem no rol de atividades de um banco de fomento. Para quem defende essas ideias – e me incluo nesse grupo – vale o bordão de que “chegou a hora de essa gente mostrar o seu valor”, com base na expertise do corpo técnico.
A vida será mais difícil para instituições desse tipo, em relação aos tempos da hiperinflação ou dos juros reais de 10% ao ano. Não há, porém, como negar que, para a minha geração, que hoje tem mais de 50 anos, ter inflação baixa e uma taxa de juros (Selic) real de 3% é o que nós sonhamos durante três décadas. Se isso representa um desafio para o BNDES, que seja aceito, mostrando a sua capacidade de adaptação aos novos tempos.
A terceira atitude é considerar que o que está acontecendo é parte de uma estratégia para acabar com o BNDES; reclamar contra as autoridades, atuais ou antigas, que endereçaram essa agenda; e torcer para que o novo governo em 2019 revogue a lei que instituiu a TLP. Trata-se de uma estratégia suicida. Primeiro, porque põe o BNDES de costas para a sociedade. Segundo, porque conduz à paralisia nos próximos meses, justamente um período importante para a redefinição da atuação da instituição, à luz da reflexão estratégica na qual ela está envolvida. Equivale a que um paciente que sofreu uma cirurgia após a qual precisa de fisioterapia reeducativa se recuse a fazê-la, à espera de tempos melhores. Há um timing requerido para certas ações, depois do qual os efeitos não serão os mesmos. E terceiro, porque, uma vez estabelecida a nova taxa, está longe de ser claro que incentivos teria o próximo governo para enviar ao Congresso uma proposta que diminuiria a remuneração do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Aos poucos vão sendo recriadas as condições para que o País retome o crescimento. Hoje é razoável vislumbrar um crescimento da ordem de 2,5% em 2018, com condições de a taxa aumentar posteriormente, uma vez dissipada a incerteza acerca das políticas a serem adotadas a partir de 2019. Nesse contexto, o investimento terá de aumentar substancialmente em relação aos níveis paupérrimos da variável registrados em 2017, e é razoável imaginar que haverá uma demanda maior por recursos de longo prazo, dos quais o BNDES continuará sendo um provedor-chave. Com o investimento passando dos 15,6% do produto interno bruto (PIB) de 2017 para os desejados 20% a 21% do PIB no futuro, há espaço para todos, incluindo tanto o BNDES como um mercado de capitais pujante.
Com a inovação da chegada da TLP, a instituição se defronta com uma nova realidade. Ao contrário do que aconteceu até 1994, nos 20 anos prévios de alta inflação, ou nos mais de 20 anos posteriores, de taxas de juros reais elevadas – exceção feita a situações artificiais de curta duração, como durante parte do governo Dilma –, esperemos não ter mais nem alta inflação, nem juros reais elevados. Isto posto, o tempo dos empréstimos bilionários do BNDES, estimulados por recursos do Tesouro, acabou.
Considerando que os desembolsos do banco voltaram aos níveis relativos do começo da estabilização, a discussão que se coloca é qual o tamanho da instituição, de modo a poder desempenhar apropriadamente as suas funções, privilegiando a sua inserção em atividades nas quais existam lacunas no sistema financeiro e identificando formas de atuação que se coadunem com o seu papel de banco de desenvolvimento. O êxito de instituições como o KfW alemão e outras agências do gênero indica que há um road map promissor a seguir. É esse o caminho que o BNDES deverá trilhar nos próximos anos.
Fonte: “Estadão”, 29/04/2018