Um acidente no Largo do Paiçandu, no centro de São Paulo, levanta uma série de questões importantes sobre segurança urbana. Um prédio antigo desmoronou. Veio abaixo sem aviso prévio, num acidente relativamente raro na cidade. De acordo com os bombeiros, as condições do local (conhecidas das autoridades) eram um convite a um acidente de grande porte, com material inflamável jogado lá, redes de gás sem manutenção, fiação velha e o mais que pode ajudar a criar e propagar um evento assim.
A região do Largo do Paiçandu é das mais deterioradas do centro, o que não é pouco, na medida que ali há regiões completamente degradadas faz muitos anos. Parte delas mais ou menos próximas do local do edifício ruiu.
Nada de novo debaixo do sol. São Paulo é uma metrópole em constante movimento desde o fim do século 19. O resultado da cidade se mudar sistematicamente é o abandono das áreas mais velhas, como aconteceu com o bairro dos Campos Elísios, no passado, o mais rico da cidade e, atualmente, uma sucessão de cortiços e imóveis invadidos por dependentes químicos e traficantes de drogas.
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Os chamados centro velho e centro novo seguiram mais ou menos a mesma sina. Os outrora imponentes edifícios, sedes de bancos e grandes empresas, se deterioraram em meio ao abandono e à decadência da região.
É verdade que há um movimento de resgate da área e que em alguns anos provavelmente assistiremos o renascer de um pedaço da cidade que é dos mais bem providos de serviços básicos, como energia com cabeamento subterrâneo, água, transportes etc.
As grandes metrópoles do mundo, em sua maioria, já viveram processos semelhantes. É essa experiência internacional que coloca na mesa dos administradores públicos brasileiros questões importantes para que o processo se dê da forma mais objetiva e prática possível, inclusive no quanto à segurança dos imóveis reformados, dos moradores e de quem trabalha neles.
Se alguns imóveis do centro estão funcionando em condições satisfatórias, outros, como o edifício que desmoronou, estão longe de terem condições minimamente toleráveis. Sua ocupação se dá de forma irresponsável, provocada por grupos de ativistas políticos que levam milhares de pessoas a invadir e ocupar imóveis nas mais variadas condições em toda a cidade.
Se essa realidade é dramática para os invasores, permanentemente em risco de viver uma tragédia como essa, ela levanta pontos relevantes para o setor de seguros também.
Não porque os edifícios invadidos tenham seguros de qualquer natureza, mas porque são um risco para outros regularmente ocupados e que têm seus seguros contratados de acordo com a legislação, como provavelmente é o caso da igreja protestante atingida no desmoronamento.
Mas não são apenas os seguros de imóveis que entram na análise de um quadro de deterioração como o vivido por aquela região. Seguros de vida, de veículos, de roubo, de estabelecimentos comerciais, de imóveis residenciais, todos, de alguma forma, podem ser afetados pelos danos decorrentes de diferentes eventos consequentes da deterioração da malha urbana e de sua ocupação por invasores, traficantes de drogas, imigrantes ilegais e outros grupos com baixa capacidade de proteção ativa ou passiva.
Por conta da falta de manutenção mínima da região e da carência de policiamento, a criminalidade resultante da miséria e da concentração de consumidores de drogas é elevada.
Este quadro não pode ser desconsiderado pelas seguradoras. Ainda que o risco de sinistros cobertos, hoje, seja baixo, o cenário precisa ser levado em conta nas estratégias para os próximos anos, nos quais a cidade deve experimentar novas transformações e o setor de seguros deve ter crescimento expressivo.
Como desenvolver planos de negócios que compreendam a deterioração, a recuperação, a reconstrução e a reutilização de áreas inteiras? Como conjugar em uma área urbana a preservação do meio ambiente com a ocupação? Como dimensionar estes riscos e precificálos para que a população possa contratar seguros? Sem dúvida, os próximos anos serão interessantes.
Edifícios invadidos são um risco para os regularmente ocupados e que têm seguros de acordo com a legislação.
Fonte: “Estadão”, 07/05/2018