A diminuição da capacidade dos estoques das empresas, a dependência do modal rodoviário e a crise da violência no Rio explicam a velocidade com que a greve dos caminhoneiros atingiu as gôndolas, explica Maurício Lima, sócio-diretor do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos). Segundo ele, 90% das cargas no Brasil seguem por caminhões.
O Globo – Do ponto de vista logístico, por que uma paralisação leva a desabastecimento em tão pouco tempo? Novas formas de gerir o estoque têm a ver com isso?
Maurício Lima – Quando se olha o Rio especificamente, as empresas baixaram muito o estoque por causa da crise na segurança, sobretudo de produtos de maior valor agregado. As seguradoras, por exemplo, começaram a colocar em contrato limites para a quantidade de estoque que as empresas seguradas têm em seus centros de distribuição. Além disso, também por causa da segurança, muitas empresas passaram a não atender o Rio, deixando de correr o risco de ter um centro de distribuição de cargas no Rio. Aí, começaram a entregar seus produtos diretamente a partir de centros de distribuição localizados em outros estados. Quando há uma greve afetando o modal rodoviário, a entrega desses produtos é diretamente afetada.
Veja também:
Monica de Bolle: Sempre o câmbio
Sergio Vale: A preocupação do Banco Central com o câmbio
Schwartsman: Discussão sobre combustíveis revela fragilidade do ambiente institucional
O Globo – E no restante do Brasil?
Maurício Lima – Quando se olha a logística de forma geral, as empresas tem buscado aumentar a eficiência e maximizar o retorno sobre seus ativos. Consequentemente, os estoques estão menores. A tecnologia dá, sim, subsídio a essa estratégia. Ela ajuda a explicar, por exemplo, como a indústria repõe o estoque do varejo hoje. Hoje, as próprias informações dos pontos de vendas acabam se refletindo na encomenda automatizada de produtos, o que reflete em estoques menores. Hoje também as redes de varejo são atendidas por centros de distribuição, que fazem entregas diariamente às lojas. No passado, cada loja tinha um estoque muito maior e era atendida diretamente pelos produtos algumas vezes por semanas. Um outro aspecto é o aumento da quantidade de itens comercializados no varejo. No caso das farmácias, por exemplo, elas oferecem cada vez mais produtos como giros muito baixos, com uma unidade vendida a cada 15 dias. A cauda desses itens é muito longa. Dessa forma, a chance faltar produto é muito maior quando se corta o transporte na ponta, e o consumidor é afetado.
O Globo – Como o nível de estoque brasileiro se compara com o contexto internacional?
Maurício Lima – Comparado com com os EUA, por exemplo, nosso nível de estoque é relativamente alto. Só que eles estão mais preparados para momentos de emergência do que a gente. Como aqui nossa matriz de modais é desequilibrada, e tudo depende do rodoviário, greves e paralisações desse segmento levam a desabastecimento. Esse modal carrega dois terços de todas as nossas cargas. Se tiramos o minério e o petróleo cru da conta, que não vão pelas estradas, o percentual é de mais de 90% da cargas. O ideal seria que não fosse mais de um terço. Nos EUA, são 43%.
O Globo – Por que o modal rodoviário não é uma boa opção?
Maurício Lima – A infraestrutura rodoviária, além de pouco eficiente por si só, ela também é precária no Brasil. O país tem 211 mil quilômetros de rodovias pavimentadas, o que é muito pouco. Nos EUA são 4,3 milhões, e na China, 4 milhões. Um caminhão no Brasil consegue rodar, em média, cerca de 4.400 quilômetros por mês por causa das condições da estrada, das paradas para fiscalização etc. Isso daria uma velocidade média de 5 km/h, a mesma de uma pessoa andando. Ou seja, temos pouca rodovia, e o estado não é bom. Isso impacta a produtividade de um modal que já não é eficiente por natureza e do qual dependemos.
O Globo – Qual seria a solução?
Maurício Lima – O ideal seria termos uma infraestrutura adequada para que o caminhão fosse usado apenas onde, de fato, ele é competitivo. Isso representaria um frete médio mais barato, e quem faz o transporte rodoviário trabalharia com o que é mais nobre. A resposta está no investimento em infraestrutura.
Fonte: “O Globo”