Refém do movimento dos caminhoneiros que provocou uma crise de desabastecimento no país, o governo reforçou nesta quinta-feira a defesa de que o Congresso precisa aprovar o projeto de lei que reonera a folha de pagamento das empresas. Depois de um dia inteiro de negociações com a categoria, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, afirmou que a proposta é necessária para que possa ser editado um decreto que reduz a zero a alíquota da Cide sobre o óleo diesel, como uma forma de ajudar a queda do preço do combustível.
O benefício tem custo de R$ 1 bilhão e precisa ser compensado com alguma receita. A reoneração dará aos cofres públicos um reforço adicional de R$ 1,5 bilhão só este ano. A proposta foi aprovada na noite de quarta-feira pela Câmara dos Deputados, mas, como ainda não havia acordo com os caminhoneiros, parlamentares incluíram no texto um artigo que também zera o PIS/Cofins sobre o combustível.
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O governo reagiu imediatamente, alertando para o risco de um desequilíbrio das contas públicas, uma vez que o fim dos dois tributos significaria uma perda de R$ 12 bilhões. Os deputados chegaram a dizer que a conta estava inflada e que seria, na verdade, de R$ 3,5 bilhões. No dia seguinte, no entanto, eles admitiram que o número da equipe econômica era o correto.
— Os cálculos foram refeitos, e a nossa posição é a correta. A decisão foi baseada em cálculos equivocados — disse o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun.
Antes do fechamento do acordo, diante da pressão dos caminhoneiros, o Senado chegou a marcar a votação do projeto da reoneração para esta quinta. No entanto, depois do acerto com a categoria, o presidente da Casa, senador Eunício Oliveira (MDB-CE), disse que não havia mais a urgência. O governo também admitiu que vai trabalhar para que a alíquota do PIS/Cofins não seja mais zerada.
— A sessão prevista para amanhã (sexta-feira) perdeu o objeto. Vamos discutir melhor o projeto do PIS/Cofins. Meu único compromisso foi pautar o PLC 121, que trata do preço do frete, desde que o líder do governo, (senador) Romero Jucá (MDB-RR), apresente um requerimento de urgência — disse Eunício, após a reunião no Palácio do Planalto.
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Logo após o início da greve dos caminhoneiros, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que é candidato à Presidência da República, antecipou-se ao governo e anunciou na terça-feira que o Planalto tinha a intenção de zerar a Cide sobre o diesel para acalmar o movimento. O governo, que foi pego de surpresa pelo anúncio, acabou confirmando a intenção no fim do dia. Mas negociou com o presidente da Câmara a votação da reoneração da folha de pagamentos em troca.
Na quarta-feira, no entanto, Maia passou a defender a redução também do PIS/Cofins sobre o diesel. O presidente da Câmara incluiu o item no projeto da reoneração, que foi aprovado no mesmo dia. A líder do MDB no Senado, Simone Tebet (MS), disse que os senadores foram pegos de surpresa pelo movimento de Maia e consideram ter sido colocados em um beco sem saída.
Os caminhoneiros deixaram claro que não estavam dispostos a aceitar apenas uma redução da Cide, que seria equivalente a apenas R$ 0,05 no preço do litro do diesel. Hoje, cerca de um terço do preço do combustível é composto por outros tributos. Em âmbito federal, o maior peso vem do PIS/Cofins (de R$ 0,4615 por litro), que representa aproximadamente 12% do preço nos postos. A Cide, por sua vez, responde por pouco mais de 1% do preço do diesel cobrado ao consumidor.
Pezão promete baixar alíquota do ICMS
Além dos tributos federais, o ICMS, de âmbito estadual, também também pesa na composição do preço do combustível. Embora a alíquota média seja de 16% no país, cada estado tem sua própria taxa. A maior cobrança ocorre no Amapá, onde 25% do preço cobrado corresponde ao ICMS. No Rio, a alíquota é de 16%. São Paulo e Espírito Santo têm a menor taxa do país, de 12%. No Distrito Federal, a alíquota é de 15%.
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Em relação ao ICMS, o governo federal convocou uma reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para hoje. O encontro será aberto pelo presidente Michel Temer, na tentativa de apelar aos estados a darem suas contrapartidas para reduzir o preço dos combustíveis, mexendo no tributo.
Nesta quinta, o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, disse que vai reduzir em quatro pontos percentuais a alíquota de ICMS sobre o diesel no estado, equiparando a alíquota à praticada em São Paulo. O governo estadual também estuda mudar o recolhimento do ICMS do setor de transportes de cargas, que passaria a ser cobrado dos clientes, em vez das transportadoras.
O anúncio foi realizado durante reunião entre o governador do Rio de Janeiro, o Secretário de Estado de Fazenda e representantes dos sindicatos dos caminhoneiros e das empresas. O encontro foi intermediado pelo presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Os caminhoneiros concordaram em interromper a greve por 48 horas e aguardar as negociações em Brasília.
Segundo fontes do governo federal, a ideia é iniciar uma discussão com os governadores para modificar a forma de tributação do ICMS, que hoje é um percentual no preço, para um valor fixo por volume, como já é feito na cobrança dos tributos federais. Se o preço do petróleo subir ou descer, o imposto continua a ter um valor determinado, absorvendo, assim, as oscilações da cotação internacional. A medida é complexa, diante da variação das alíquotas, e os estados não admitem perda de receitas, devido à gravidade das contas dos governos regionais.
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— Qualquer medida que comprometa receitas tem dificuldade de ser aprovada no Confaz por causa da situação fiscal dos estados — disse o secretário-executivo do conselho, André Horta.
Hartung defende redução de impostos
Nesta quinta, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (MDB), defendeu o movimento dos caminhoneiros. Para ele, já passou da hora de estados e União reduzirem a carga tributária sobre o diesel.
— Vejo fundamento nesse movimento dos caminhoneiros, porque desde 2015 a carga tributária sobre o diesel foi pesando a mão, com movimentos fortes do governo federal e de alguns estados — disse Hartung, que apelou aos caminhoneiros para preservarem, pelo menos, o abastecimento dos setores essenciais da sociedade.
Para Álvaro Bandeira, economista-chefe da ModalMais, é preciso que o governo reavalie uma cobrança tão elevada de tributos tanto no âmbito federal quanto estadual.
— Apesar de a Petrobras ter congelado o preço do diesel por 15 dias, é o governo que precisa resolver essa questão com uma reavaliação da carga tributária — disse ele.
O consultor Adriano Pires, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), destacou que os estados também precisam fazer sua parte e reduzir a cobrança do ICMS
— Em períodos como o atual, de alta nos preços do petróleo, todos têm que fazer sua parte — afirmou o especialista.
Fonte: “O Globo”