Sobram motivos de abatimento para quem pensa no amanhã do processo civilizador, mas também não faltam razões para iluminista otimismo. Contraste que força pessoas sérias e bem informadas a tensa ciclotimia entre angustiantes niilismos e firmes esperanças. Os que consideram irresponsabilidade infantil qualquer inclinação positiva, também são os que depois aplaudem com entusiasmo a confiança dos engajados em causas humanitárias socioambientais.
Quem estiver em momento ‘down’ só piorará se ficar sabendo que a poluição do ar já prejudica 90% da população mundial, tendo se tornado uma das principais causas de mortes prematuras. Em países remediados chega em terceiro, à frente do cigarro, só atrás dos alimentos e dos riscos metabólicos (diabetes, colesterol e hipertensão). Raras são as cidades com ar pouco poluído.
A falta de acesso a água potável, que atinge 36% dos habitantes da África, só se agravou entre 1990 e 2014, período em que dobrou o número de suas crianças obesas. Nem chega aos cinquenta anos a esperança de vida em alguns países desse continente. Mas concentram-se na Ásia metade dos que ficam gordos antes dos 5 anos, doença que entre adultos já atinge mais de 50% das mulheres e 38% dos homens da Polinésia e Micronésia.
Leia mais de José Eli da Veiga
Ser economista no antropoceno
Guia para perplexos
Birra de cientista?
E o lixo? O mundo já está saturado com bilhões de toneladas anuais de detritos, dos quais grande parte vai diretamente para os oceanos, drama sobre o qual mesmo sociedades bem avançadas dão péssimo exemplo. Basta dizer que cada habitante dos EUA já produz mais do que 700 quilos de lixo por ano.
A transição das energias fósseis às renováveis continua lenta demais, mesmo que a partir de 2013 o número das novas instalações verdes tenha ultrapassado o das novas marrons. Estão longe de ser banidos os subsídios às energias que mais emitem carbono, e as matrizes dos sistemas de transportes permanecem imundas, além de não atenderem às necessidades dos usuários. A excelência de infraestruturas como as da Alemanha, Cingapura e Holanda são prêmios de consolação insuficientes para amenizar esse balanço.
Pior: nada disso parece superar a desgraça que é a erosão da biodiversidade. Dois artigos sobre essa tragédia publicados há doze dias pela revista Science são de dar frio na espinha. Um indica que os territórios vitais para animais vertebrados, plantas e insetos diminuiriam 8%, 16% e 18% respectivamente, mesmo no cobiçado, mas bem duvidoso, cenário de 2 graus centígrados de aquecimento global. O outro revela que quase um terço das áreas naturais protegidas estão sob forte ameaça das novas pressões das atividades humanas.
Porém, a desolação imposta por esses dados é amenizada por dois recém lançados documentos. Uns vinte sinais encorajadores estão no relatório “Modos de vida e práticas ambientais dos franceses”, do Comissariado Geral do Desenvolvimento Sustentável, órgão do Ministério da Transição Ecológica e Solidária. Há algumas décadas, quem poderia prever que a triagem de vidros, papéis e embalagens estaria sendo feita regularmente por 85% dos habitantes da França? Que 81% deles estariam sistematicamente apagando a luz ao deixar um cômodo? Que mais de 40% estariam evitando o uso do carro individual e quase 40% dispostos a pagar mais por energia menos suja?
Já a Organização Mundial do Trabalho (OIT) informa que as ações exigidas pela meta climática dos 2 graus centígrados deixariam um saldo líquido de 18 milhões de empregos, pois criariam 24 milhões de novos postos de trabalho, com destruição simultânea de 6 milhões. Essa troca só não seria francamente favorável no Oriente Médio e na África, devido à alta predominância de atividades extrativas – petróleo e mineração – em seus sistemas econômicos.
Além disso, ao menos três livros recentes são capazes de deixar até eufórico quem estiver em fase “up” de sua ciclotimia. Os dois últimos do psicólogo americano Stephen Pinker e o do historiador sueco Johan Norberg mostram que a humanidade está melhor do que nunca, que a época atual é a mais pacífica e próspera da história, que em todos os cantos as pessoas estão mais ricas, gozam de mais saúde, são mais livres, têm mais educação, estão mais pacíficas e desfrutam de menor desigualdade social. Panorama comunicado com excelência pelo falecido médico e estatístico, também sueco, Hans Rosling, em TED de 2006 que foi traduzido em 48 línguas e já teve 12,5 milhões de visualizações: www.ted.com/talks/hans_rosling_shows_the_best_stats_you_ve_ever_seen
O problema, contudo, é que a dúvida recai sobre a durabilidade dessa epopeia. Por isso, a chave para superar o dilema entre inclinações negativas e positivas talvez esteja no livro “O Tempo das Catástrofes – Quando o impossível é uma certeza”, de Jean-Pierre Dupuy (É Realizações, 2011). Rejeita a ideia de futuro apocalíptico, mas propõe que se faça como se o destino fosse a catástrofe. De jeito a conseguir que os piores cenários passem a ser levados mais a sério, o que poderá contribuir para que desastres sejam evitados. Especialmente o de uma guerra nuclear.
Fonte: “Valor Econômico”, 30/05/2018