Segundo o Datafolha divulgou em maio, o número de pessoas que diz não ter interesse por futebol subiu de 31% para 41% de 2010 para cá.
A camisa verde-amarela virou uniforme de manifestante, não de torcedor. Trocamos a bola pela política, e isso não é nada bom.
O futebol é um fator de união nacional. Ao torcer, o sujeito se une a pessoas de cor, classe social e posições políticas diversas da sua.
Interage fora de seus círculos mais óbvios, aumentando sua empatia com quem é e pensa diferente.
A identidade do time fala mais alto que outras diferenças e serve, por isso, para superá-las. Na torcida pela seleção, o país inteiro se une em torno de um grande objetivo conjunto.
A ciência respalda essa percepção. Um estudo do National Bureau of Economic Research feito com seleções da África (Building Nations Through Shared Experiences: Evidence From African Football) conclui que vencer a Copa da África ou se qualificar para a Copa do Mundo aumenta o senso de identidade nacional dos habitantes do país e a confiança entre membros de diferentes etnias.
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Toda união coletiva pressupõe um inimigo. É impossível que haja apenas uma torcida; sem uma torcida rival, ela perde a razão de ser.
O gênio dos esportes de time, dos quais o futebol é o maior, é reproduzir uma guerra e ativar a mesma mentalidade tribal que, em outros contextos, nos leva a tirar a vida uns dos outros.
Mas eles o fazem dentro de um contexto de regras e de diversão, sem vidas em risco e sem grandes consequências práticas.
Assim, mesmo a rivalidade entre populações que se odeiam pode servir para diminuir as tensões, como nos jogos entre Coreia do Sul e do Norte.
Por vezes, a briga de torcida descamba para a violência aberta. Essa possibilidade de conflito está, no entanto, circunscrita a um momento específico, o jogo, e por isso tem um potencial de dano restrito.
No resto do tempo, o futebol não é motivo de briga e, sim, laço de solidariedade entre torcedores do mesmo time e facilitador das relações humanas, constituindo o quebra-gelo universal.
Permanece, assim, como um dos poucos elementos comuns a toda a sociedade. Perdê-lo será nos fragmentar ainda mais.
A politização da sociedade tem o efeito oposto.
No mundo ideal, uma população que desperta para a política começaria a dialogar em espírito colaborativo, buscando o melhor.
No mundo real, ela se divide em tribos, como no futebol, mas sem nenhum espírito esportivo; afinal, as consequências dessa guerra podem ser enormes.
As tribos políticas se odeiam e lutam constantemente pelo poder. Em vez de diálogo, temos a reafirmação intransigente dos slogans e símbolos de cada lado e a perda geral de confiança mútua.
Dizem que o futebol aliena, mas será que a gritaria politizada tem nos tornado mais conscientes?
Ficar falando da importância social do futebol não aumenta a paixão pelo futebol; o desejo não se move pelo senso de dever.
Sou otimista: já, já vamos todos nos deixar levar pelo espírito da Copa e eu, que no resto do tempo sou santista não praticante, também viro torcedor.
Como forma de alienação, o futebol é muito superior à política. O 7×1 ainda pesa sobre nós. No momento que era para ser de consagração nacional, fomos humilhados.
Agora é novamente hora de torcer. Com o hexa, quem sabe, recuperaremos também o nosso espírito.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 05/06/2018