Estamos entrando em junho e já se vão cinco anos da sensação permanente de crise que nos afeta desde as manifestações deste mesmo mês em 2013. A média de crescimento de 2013 a 2018 deverá ser na verdade uma queda de 0,1% por ano, uma estagnação sem precedentes no país, mesmo comparando com a Grande Depressão ou a crise dos anos 80.
A tecnologia tem tido papel essencial na difusão e aceleração das crises e da insatisfação da população. A capacidade de mobilização e de polarização tem aumentado sobremaneira nos últimos anos com a consequência de deixar pouco espaço para uma governança de longo prazo acontecer. Junta-se a isso aos eventos decorrentes da Lava-Jato, parte central do abate de lideranças políticas que temos visto desde 2014.
Essa conjunção de acefalia política e de liderança, extrema capacidade de mobilização e insatisfação, continuidade do cerco da Justiça e baixo crescimento consistente é o caldeirão que o próximo presidente terá que enfrentar. Não é pouco e provavelmente não lhe deixará muito tempo para pacificar o país. A sensação de incêndio permanente deverá se manter conosco com um presidente que quase certamente perderá dos votos brancos e nulos, quase sendo eleito por falta de opção. Mas escolher um presidente sem querer por falta de opção é o elemento que falta para tornar 2019 um ano bastante conturbado.
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As questões postas estão além da economia nesse momento, pois a baixa geração de líderes capazes de conduzir o país na crise traz a percepção de uma crise mais permanente. Nos anos 80, a crise econômica estava instalada, mas tínhamos lideranças políticas que mal ou bem conseguiam conduzir o país para alguma direção. A geração de Ulisses, Montoro, Covas e companhia não deixou herdeiros à altura e os campos que hoje deveriam ser apenas de divergência política viraram campos de atrito permanente, sem espaço para diálogo. Não é um processo apenas brasileiro, como se poder ver o que os Estados Unidos viraram nas últimas décadas com os radicais do Partido Republicano que incendeiam o país desde os anos 90 quando Newt Gingrich virou presidente do Congresso americano.
A polarização americana ao menos tende a continuar se resolvendo dentro da política. No Brasil, entretanto, a solução tem sido cada vez mais uma politização da Justiça, com o Supremo muitas vezes decidindo o que o Legislativo igualmente sem liderança não consegue fazer. Isso claramente não é uma solução e apenas coloca mais atritos entre os três poderes.
A greve dos caminhoneiros, assim, se insere nesse novo mundo polarizado, acéfalo e incompleto na economia. Abre-se espaço para os vendedores de ilusão, aqueles que se colocam como lideranças sem nunca de fato terem sido.
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A consequência poderá ser uma nova rodada de baixo crescimento, quando não recessão, na insatisfação que se manterá na população. Junta-se a isso um mundo que começou a desacelerar este ano com os EUA arriscando a tatear um recuo mais grave nos próximos dois anos. Ao mesmo tempo, a greve dos caminhoneiros mostra como os grupos de pressão seguem relevantes, o que pode sinalizar que demandas antigas para crescer a produtividade no país, como mais abertura da economia, esbarrem na vocalização dos grupos de interesse sobre governos fracos.
E infelizmente esse ponto poderá ser comum nos próximos anos. Governos fracos, engessados pela necessidade de continuar o ajuste fiscal, serão premidos pelos anseios de uma população que não vê estabilidade desde 2013. Quem ganhar já sai enfraquecido e isso só faz acelerar o confronto contra o próximo governo. Dilma levou cinco anos para matar seu governo, Temer levou dois anos e o próximo presidente poderá ter menos tempo se não conseguir dar respostas rápidas. O grande problema é que as respostas rápidas e corretas seguem sendo impopulares, pois passam pela continuidade do ajuste fiscal.
Ao mesmo tempo a política monetária já está no piso com a taxa básica de juros, com os spreads podendo cair com o cadastro positivo e a continuidade de uma política gradual do Banco Central de buscar menos spreads. Tentativas de levar a spreads menores dos bancos públicos para forçar os privados já aconteceram com Dilma Rousseff e resultaram apenas em piora na performance dos bancos públicos e nenhuma mudança no spread.
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Sem políticas usuais para estimular o crescimento, o próximo presidente terá que ser impopular de começo se quiser seguir o que se precisa para estimular a economia. Ao ser pressionado para fazer diferente poderá abrir espaço para uma mudança severa do regime fiscal que levará o país de novo à crise.
Tenho escrito reiteradamente aqui que o cenário de 2019 estava muito nublado e a política não parecia vislumbrar muitas saídas. Os recentes acontecimentos infelizmente só reforçam esse cenário.
Fonte: “Exame”, 30/05/2018