Com a sinalização do Fed de quatro altas de juros esse ano temos uma incerteza a menos para lidar. A normalização que o Fed parece sugerir para os Fed Funds talvez seja um pouco mais rápida do que os mercados estivessem contando no começo do ano, mas inevitavelmente esse deverá ser o caminho por conta da inflação.
Com o PIB sinalizando crescimento próximo a 4% este trimestre, taxa de desemprego em 3,8% e inflação passando de 2%, o cenário está montado para que os juros americanos caminhem para, ao menos, os 3% que todos esperamos. Fica a dúvida se vai parar por aí e, mais, qual o impacto disso na economia.
A sinalização da inversão da curva de yield pela diferença dos juros de 10 anos e 2 anos parece sinalizar que estamos caminhando para alcançar um possível cenário recessivo ao longo dos próximos dois anos. Toda vez que a inversão da curva caiu para baixo de zero os EUA entraram em recessão dentro de um ano a um ano e meio depois. A busca por segurança nas taxas longas enquanto as taxas curtas estão subindo para conter a inflação sinalizam a inversão na atividade quase como um relógio como vemos no histórica da curva de juros (gráfico 1). Há quem ache que podemos entrar em período de estabilidade como foi os anos 90 em que a curva de yield ficou baixa sem sinalizar nenhuma piora na economia. Entretanto, esse foi um período de forte ajuste fiscal nos EUA, com queda da dívida e aumento do superávit primário com crescimento acelerado da produtividade. A inflação não se tornou um problema por toda a década.
Figura 1. Diferença da taxa de juros de 10 anos e de 2 anos nos EUA
Em que pese a curva parecer se encaminhar para o território negativo, a ideia de uma recessão até 2019 parece distante por hora. A curva de juros pode sinalizar isso através de um exercício econométrico em que se estimam probabilidades de recessão a partir da curva de yield, adicionando nesse caso a taxa dos Fed Funds, que é o juro básico americano, e a relação price-earnings da S&P.
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A sinalização da relação price-earnings é se alguma bolha está sendo formada: toda vez que ela alcançou patamares elevados havia sinalização de uma bolha se formando e que um gatilho para que ela estourasse fosse a elevação dos juros, como foi o caso da crise de 2008. Essa relação hoje se aproxima dos picos da crise de 29, apesar de ainda distante do pico da crise de 2008 (figura 2).
A reforma tributária de Trump parece dar um fôlego adicional para o mercado acionário este ano. Entretanto, suas posições contra empresas relevantes do mercado de tecnologia como a Amazon e a guerra comercial iniciada efetivamente certamente impactarão negativamente na performance da bolsa nos próximos meses. Se vai ser um tombo ou um pouso suave ainda não se sabe.
Figura 2. Taxa de juros de 10 anos e relação price-earnings (S&P)
Por hora, pelo menos, há menos razão para preocupação. As estimativas de probabilidade de recessão pelos sinais que o próprio mercado tem dado estão longe de sinalizar recessão agora (figura 3). Em todas as recessões passadas as estimativas de probabilidade começavam a subir em torno de 6 meses antes da configuração efetiva de recessão. Nos últimos meses, pelo contrário, a probabilidade vem caindo.
De fato, os sinais são claros de que a economia americana ainda se mantém em crescimento pelos próximos meses e provavelmente ao longo de 2019. Mas a combinação de mercado acionário pressionado, taxas de juros em elevação e governo voluntarioso não traz bons sinais.
Essa questão é relevante, pois há nesse momento nos EUA um presidente que ignora notícias ruins. Em uma possível recessão em seu mandato fica a dúvida sobre que tipo de políticas serão usadas dado que não há espaço fiscal para isso (o déficit público americano está em 5% do PIB e a dívida deve chegar a 100% do PIB na próxima década) e a taxa de juros estará ainda relativamente baixa, com o balanço do Fed ainda elevado depois da crise de 2008.
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Esses sinais de incerteza são preocupantes, pois as profecias auto-realizáveis que tanto afligiram os emergentes nos anos 90 durante o boom de regimes de câmbio fixo parecem voltar agora de outra forma. Nesse caso, o câmbio fixo americano se chama Trump. Nos emergentes a solução era desvalorizar e controlar os impactos inflacionários na sequência, como o Brasil fez depois da crise cambial de 99. No caso americano, seria a saída de Trump e um ajuste fiscal significativo na sequência. As profecias auto-realizáveis ocorrem porque o câmbio fixo é o elefante no meio da sala que ninguém sabe muito bem o que fazer para tirar de forma suave. Trump é o grande elefante no meio de uma quitinete que temos agora.
O problema todo, e impossível de prever, é o timing. Se a economia americana continuar navegando bem e o Fed for hábil, o crescimento americano pode se estender além do esperado. As consequências para a economia americana e mundial de um Trump que permanece por oito anos ao invés de quatro são exponencialmente negativas. O processo de desmantelamento da pax americana criada no pós-guerra poderá ser difícil de ser revertida depois de tantos anos de um governo como este. Paradoxalmente, torçamos para que a recessão venha no timing correto a ponto de os Estados Unidos retomarem o rumo.
Figura 3. Probabilidade de recessão nos Estados Unidos
Fonte: “Exame”, 16/06/2018