As propostas econômicas dos principais pré-candidatos à Presidência convergem em pontos como a necessidade de reformas nas áreas previdenciária e tributária. Diferenças estão no detalhamento das propostas. Entre as questões mais polêmicas estão a aplicabilidade de um sistema de capitalização na previdência pública e a “desconstitucionalização” de temas relacionados à gestão pública. Há divergência explícita, porém, em relação à reforma trabalhista.
Os temas foram aprofundados no debate “Rumos da Economia – Perspectiva Brasileira”, promovido pelo Valor ontem em São Paulo, com patrocínio do Banco Votorantim e apoio da Microsoft. Participaram os assessores econômicos dos principais pré-candidatos. Participaram os economistas Marco Bonomo, que trabalha com Marina Silva (Rede), Mauro Benevides, que auxilia Ciro Gomes (PDT), Persio Arida, economista de Geraldo Alckmin (PSDB), e Fernando Haddad, que prepara programa de governo do PT. O assessor do pré-candidato Jair Bolsonaro (PSL), o economista Paulo Guedes, foi convidado, mas preferiu não participar.
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O próximo presidente precisará fazer um ajuste fiscal por meio de uma combinação da manutenção do teto de gastos, crescimento econômico e corte de despesas, defendeu Arida. Para viabilizar, ele propõe uma emenda de “desconstitucionalização” de temas relacionados à gestão econômica do país.
“É uma medida ousada, nova”, explicou, ao lembrar que a Constituição de 30 anos tem 99 emendas, “a grande maioria sobre taxas e tributos”. A economia, disse, reage o tempo todo e a política tem que ser capaz de responder no momento. “A política econômica precisa ter flexibilidade”, afirmou. “Todo gasto, tributo, teto de gasto, regra de ouro, tudo o que é pertinente à gestão da política econômica tem que ir para o nível infraconstitucional.”
Arida defendeu também reforma tributária com a adoção de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Na área previdenciária, aumento da idade mínima, aumento de contribuição e manutenção do sistema de repartição.
Para o economista Mauro Benevides Filho, que assessora Ciro, o regime de repartição simples está fadado ao fracasso. Ele ressalta que hoje, com a redução da taxa de natalidade, há menos jovens para contribuir com o sistema, ao mesmo tempo que a longevidade aumenta. “É importante um regime de capitalização de contas individuais. Temos modelo pronto, com simulador, que divulgaremos em 15 de julho e falaremos quanto é o déficit explícito e o déficit implícito, e como iremos proporcionar essa transição”, prometeu.
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Benevides citou cálculo do economista Fabio Giambiagi, pelo qual o déficit explícito seria de 0,19% do PIB, cerca de R$ 12 bilhões. “Vamos mostrar ao Brasil que isso é capaz de ser alcançado.”
Cético em relação a implementação imediata de um regime de capitalização, Arida declarou que quer ver os números citados por Benevides. Para o assessor de Alckmin, o sistema de capitalização é “uma ideia bonita”, mas com consequência imediata de aumentar o déficit público. “Se eu estivesse dando aula, falaria a favor da capitalização. Mas não estou dando aula e o Brasil é uma economia viva, não teórica. Infelizmente não temos condições de implementar a capitalização da forma que seria ideal.”
O déficit fiscal impede que o país migre de um sistema de repartição da Previdência para o de capitalização, disse Arida. Ele lembrou que o Chile fez transição, mas quando tinha 6% de superávit fiscal do PIB. “Usaram isso para pagar os custos da transição. O nosso déficit recorrente é de 3% (do PIB). Não vejo como fazer”, completou.
Benevides também defendeu uma reforma tributária com retorno da tributação sobre distribuição dividendos, ideia consensual entre os quatro debatedores. Bonomo, ligado a Marina, disse que faz sentido reduzir a tributação sobre o lucro das empresas, preservando a parte direcionada aos investimentos, em troca da cobrança de imposto nos dividendos.
Um ponto divergente dentro da proposta de reforma tributária é o corte proposto por Benevides nas atuais desonerações. “Se eleito, Ciro vai propor no primeiro dia redução imediata de 15% em todas as desonerações”, disse Benevides. “Em seguida, vamos analisar cada uma delas para saber se há impacto macroeconômico. Em desonerações de mais de R$ 300 bilhões, teremos redução de mais de R$ 45 bilhões. Vamos também fazer o fim da ‘pejotização'”, ressaltou.
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Benevides defendeu ainda uma contribuição sobre grandes movimentações a ser cobrada enquanto a relação dívida/PIB não cair a um patamar pré-estabelecido.
Bonomo tem visão diferente. Ele defendeu que o importante é estabilizar a relação dívida/PIB e “ter um plano crível para isso”: “Se fizermos imposto temporário, o superávit será temporário. Não acho que é um bom processo. Se houver plano crível de longo prazo, não precisaremos de remendos temporários. A CPMF é um imposto distorcivo e não é bom tributo”.
O economista ligado a Marina foi questionado por Haddad sobre a posição da pré-candidata em relação ao teto de gastos. Isso porque, em entrevista recente ao Valor, outros dois economistas ligados a Marina (André Lara Resende e Eduardo Giannetti) disseram que a norma é inexequível. Bonomo respondeu que “pode ser que mantenha”.
O economista explicou que Marina sempre foi a favor de controlar gastos e que já propôs no passado medidas de controle de despesas. Ele defendeu que o importante é que a candidata tem uma visão da necessidade de que é preciso controlar o orçamento público.
Arida defendeu a manutenção do teto de gastos nos moldes atuais, embora reconheça que poderá fazer uma revisão após dois anos. Benevides disse ser favorável a um limite para despesas, mas tiraria investimentos da conta. “Todo mundo acha que a emenda 95 está controlando os gastos, mas as principais despesas, que são com pessoal e Previdência, não estão diminuindo. O que está acontecendo é um profundo corte no investimento do setor público.”
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Na de Arida, o futuro presidente deve se preocupar em atrair investimentos privados, com a introdução de marcos regulatórios e a oferta de uma ambiente com segurança jurídica. “Pragmaticamente, [a emenda do teto] é um instrumento que ajuda”, disse ele ao destacar que a crise fiscal é um desafio de grandes proporções.
O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad ressaltou a importância de garantir transparência ao gasto primário. Ele criticou a necessidade de congelar as despesas por 20 anos, como determina a emenda do teto dos gastos, que considera “irrealista”. Haddad disse que não existe a dicotomia direita reformista versus esquerda antirreformista. Todos os governos recentes, explicou ele, tentaram promover reformas estruturantes, mas esbarraram no Congresso.
“Todos são a favor do IVA. O desafio é como fazer”, ponderou. Por isso Haddad defendeu a necessidade de reconstruir um “ambiente civilizado de discussão”. Neste sentido, propôs um pacto entre os principais pré-candidatos ao Planalto que, ainda que haja divergências entre governo e oposição, seja garantido ao próximo presidente condições institucionais de normalidade democrática.
Haddad criticou a gestão do presidente Michel Temer e disse que o atual governo está tomando medidas estruturais sem o crivo do voto e sem consulta à população. “São medidas que envolvem riquezas nacionais importantes, um planejamento econômico que deu errado, que não resgatou a confiança dos investidores e da população.”
“Todos nós poderíamos, enquanto representantes de candidatos importantes, fazer uma aceno para o atual governo para parar de tomar medidas que comprometem o futuro do país”, disse Haddad. “Devíamos dar um freio de arrumação. Com Alckmin, Lula, Marina e Ciro, enviar ao Planalto Central um pedido para que pare de leiloar as riquezas nacionais e deixem a eleição transcorrer com naturalidade.”
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O ponto de maior divergência entre os debatedores foi em relação à reforma trabalhista. Enquanto Arida defendeu a mudança promovida pelo Congresso com apoio de Temer, Benevides e Bonomo avaliaram que há necessidade de ajustes. Haddad posicionou-se contra a reforma.
Arida reclamou do comportamento do Judiciário (“não está respeitando a reforma trabalhista em vários aspectos”) e defendeu que as mudanças avancem em nível constitucional.
Benevides apontou para a necessidade ajustes, como no caso de contribuições adicionais de intermitentes e legalização de trabalho insalubre para grávidas. Bonomo disse que a reforma tem pontos negativos, mas também positivos. Elogiou o fim do imposto sindical.
Haddad divergiu. A reforma provocou “violações importantes”, denunciou. Ele criticou a forma como foi estabelecido o fim do imposto sindical, “goela abaixo”, sem negociação com as entidades. Criticou ainda a cobrança de custos processuais de trabalhadores que não conseguem provar sua causa. É uma norma que prejudica principalmente os mais pobres, disse.
Fonte: “Valor Econômico”