A elite tem papel central na construção da agenda econômica dos países. Para o bem e para o mal.
Há cerca de 200 anos o tráfico de escravos foi proibido na Inglaterra, devido a uma iniciativa de grupos religiosos; algo negligenciado nos livros escolares. A mobilização começou no final do século XVIII por uma aliança entre protestantes evangélicos e Quakers, que fundaram uma coalizão abolicionista. O movimento ganhou adeptos, inclusive as mulheres, que não tinham direito ao voto e cujas manifestações públicas eram reprimidas. Enquanto isso, pensadores iluministas criticavam as violações de direitos do homem. Conforme se difundiram na sociedade as informações sobre os maus tratos aos escravos, cresceu o apoio popular ao movimento, que foi liderado por William Wilbeforce. Uma bela história.
A Venezuela nos anos 1950-70 prosperou graças à exploração do petróleo. O pacto de governabilidade ou de elites, na democratização em 1958, proporcionou estabilidade política ao país por 25 anos. O pacto, no entanto, se provou pouco democrático. Dois partidos dividiam o poder, bem como a receita do petróleo, enquanto bloqueavam outsiders, em meio à corrupção crescente. O país abdicou de algo essencial no jogo democrático: a concorrência na política. Como resultado a agenda econômica sucumbe.
Leia mais de Zeina Latif
Lições do dólar
A diferença que um bom time faz
A crise da dívida da década de 1980 na América Latina pôs fim à estabilidade política. Apesar de o país ainda sustentar em 1998 – quando Hugo Chavez vence a eleição – o segundo maior PIB per capita do continente, 2/3 da população vivia na pobreza.
O populismo de Chávez ocupou o vazio produzido pela elite, em meio a uma sociedade que clamava por renovação. A elite emigrou, agravando o caos político e econômico. Empobrecida, a Venezuela terminou vítima de grupos organizados que passaram a controlar o aparelho de Estado, expropriando a população dos contrapesos institucionais essenciais em uma democracia.
A Venezuela é caso clássico de “maldição do petróleo”. Mesmo com os alertas, faltou visão da elite no uso sábio dos recursos do petróleo e no fortalecimento de instituições. Erro que foi evitado pelo Chile, beneficiado com reservas de cobre, e por Botsuana, com suas minas de diamante. O primeiro tem PIB per capita de US$25,7 mil (pelo conceito de paridade do poder de compra) e o segundo, US$18,8 mil; já o Brasil tem US$16,2 mil, segundo o FMI.
O Brasil não é a Venezuela, mas guarda algumas semelhanças.
O País não soube administrar os ganhos do ciclo de commodities. Na bonança, não só adiamos reformas estruturais, como queimamos recursos públicos em investimentos fracassados em meio a retrocessos institucionais durante os anos populistas de Lula e Dilma. Tudo isso com o apoio de muitos grupos que se beneficiaram das benesses distribuídas e a omissão de instituições democráticas.
+ Denis Rosenfield: Eleições e reformas
A crise demanda reformas urgentes. No entanto, a elite organizada em grupos de interesse resiste. A defesa de reformas é apenas para as dos outros.
A elite do funcionalismo, que compõe o 1% mais rico do País, bloqueia a agenda de reforma da Previdência e o fim dos penduricalhos do Judiciário, apesar da grave crise fiscal que ameaça a estabilidade econômica do País.
Segmentos do setor produtivo, com representação desproporcional no Congresso, não perdem a oportunidade de pressionar um governo fraco em final de mandato por mais benefícios.
Muitas pessoas da elite – que se aposenta por tempo de contribuição – condenam a introdução de idade mínima para aposentar, alheias ao fato de que os mais pobres só têm direito a aposentadoria aos 60 ou 65 anos.
Depois reclamamos dos políticos. A culpa das nossas mazelas não está apenas em Brasília.
O dinheiro acabou e a sociedade não aceita a volta da inflação ou o aumento de impostos. As reformas são inevitáveis. Entre o avanço e a paralisia, de que lado estará a elite?
Fonte: “Estadão”, 28/06/2018