A gravidade da situação fiscal começou a se impor na discussão sobre as propostas econômicas para as eleições deste ano, um quadro bastante diferente do que se viu na campanha de 2014. Ao mesmo tempo, as consequências da recessão cavalar que se abateu sobre o país por quase três anos influenciam o debate, levando os economistas de quatro dos principais pré-candidatos à Presidência a propor ideias que combatam privilégios na Previdência e enfrentem o problema da regressividade do sistema tributário — os mais pobres pagam proporcionalmente mais impostos que os mais ricos.
Foi o que se viu no seminário “Rumos da Economia – Perspectiva Brasileira”, promovido na terça-feira pelo Valor, com patrocínio do Banco Votorantim e apoio da Microsoft. O debate reuniu Persio Arida, coordenador do programa de Geraldo Alckmin (PSDB), Mauro Benevides Filho, responsável pelas propostas de Ciro Gomes (PDT), Marco Bonomo, que trabalha na preparação das propostas de Marina Silva (Rede) e Fernando Haddad, um dos coordenadores do programa do PT. Conselheiro do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), o economista do Paulo Guedes foi convidado, mas preferiu não participar. Na discussão, houve concordâncias sobre a necessidade de mudar o sistema de aposentadorias e o de impostos, além da importância de se reduzir as desonerações tributárias.
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Em geral evitada em campanhas eleitorais anteriores, a reforma da Previdência passou a ser vista como uma peça fundamental para enfrentar o problema fiscal. Bonomo lembrou que as despesas previdenciárias (do setor privado e do setor público) são muito altas, chegando a 13% do PIB, o dobro de países similares ao Brasil. “Entre 2010 e 2050, a proporção da população com mais de 60 anos passa de 10% para 30%. Não tem jeito: a gente tem que atacar esse problema.”
Houve divergências em relação ao modelo de reforma, mas o tema está na pauta dos quatro. Arida disse que “aí é muito difícil escapar do óbvio, a saber: aumento de idade mínima e aumento de contribuição, particularmente dos funcionários públicos.” Benevides propôs que um regime de capitalização, com contas individuais, seja um dos pilares do sistema previdenciário. Para ele, o regime de repartição, em que os trabalhadores da ativa financiam os benefícios dos aposentados, “está fadado ao insucesso”. O problema é o envelhecimento acelerado da população.
Arida vê como inviável a adoção da capitalização, embora seja “uma ideia bonita”. Os custos fiscais tornam a ideia inexequível, porque aumentariam ainda mais o já elevado déficit público, segundo ele. Bonomo mostrou dúvidas quanto à possibilidade de implementação da medida. Benevides insistiu, dizendo que é possível bancar os custos, e que Ciro vai apresentar o modelo em meados do mês que vem. “Estou curioso para ver suas contas, vamos olhar com cuidado”, disse Bonomo, professor do Insper.
Haddad também mostrou ceticismo, contando que cogitou a mudança quando era prefeito de São Paulo. Na época, concluiu que não seria viável. “Não tenho problema com o regime de repartição”, afirmou ele. “É preciso saber a forma de operacionalizar a questão da [reforma] da Previdência. É foco em privilégio. Existem muitos”, disse Haddad, criticando a proposta do governo Michel Temer, por afetar o trabalhador rural e as regras para se receber o benefício de prestação continuada.
No debate, a importância de conter gastos com os salários do funcionalismo também ganhou espaço. É uma das despesas obrigatórias que seguem em alta, comprimindo o espaço para os gastos sobre os quais o governo tem maior controle, como o investimento. Benevides criticou os aumentos muito acima da inflação, “Se a inflação é de 4% e você der um aumento de 16% para alguém, outro vai ter que ter zero de aumento”, afirmou. Arida questionou a ideia de que os servidores devem ter sempre os salários corrigidos pela inflação passada. Para ter mais flexibilidade para fazer o ajuste fiscal, ele defendeu a desconstitucionalização de assuntos relacionados à gestão da política econômica — gastos e tributos, por exemplo, deixariam de ser temas constitucionais.
Houve mais divergências em relação à emenda do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas não financeiras do governo federal à inflação acumulada nos 12 meses até junho do ano anterior. Benevides atacou o mecanismo, observando que os gastos com Previdência e com pessoal continuam a crescer — o que tem caído brutalmente “para manter a estrutura do teto” são as despesas com investimento, disse ele. “Vamos manter o teto do gastos, mas retirar o investimento para controlar os gastos com pessoal e Previdência, que são as principais despesas.”
Já Arida defendeu a manutenção do mecanismo, dizendo que, “pragmaticamente, é um instrumento que ajuda” em um momento em que o país precisa enfrentar a questão do gasto público e tem um elevado déficit primário (que exclui gastos com juros). Disse, contudo, que pode haver uma revisão após dois anos.
Haddad atacou o teto. “A questão da transparência do gasto primário é importante, mas o congelamento por 20 anos [em termos reais] é irrealista”, afirmou, dizendo que quem se apropria do orçamento no Brasil são as corporações e criticando o efeito sobre os investimentos. Bonomo não foi categórico. Afirmou que “pode ser” que Marina mantenha a emenda que limita a expansão das despesas. “O mais importante é o compromisso com o ajuste fiscal.”
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As maiores convergências apareceram no front tributário. A volta da tributação de dividendos, extinta em 1995, foi apoiada por todos os participantes do debate. Arida defendeu ao mesmo tempo a redução dos impostos sobre as empresas. A reforma tributária feita pelos EUA tem levado muitos países a cortar os impostos que incidem sobre as companhias, para tentar não perder investimentos.
Medidas para reduzir a complexidade do emaranhado tributário brasileiro também apareceram no debate. “Eu sei exatamente o que é que o empresário pensa em relação a essa questão; o tamanho de obrigações acessórias que são obrigados a cumprir; tudo isso tem que ser simplificado”, afirmou o ex-secretário da Fazenda do Ceará. Arida defendeu a adoção de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), para substituir tributos como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e PIS-Cofins. A carga tributária, porém, não deve aumentar, segundo Arida, ex-presidente do Banco Central e do BNDES.
Haddad lembrou das dificuldades políticas para a implementação da proposta. “Todos são a favor do IVA. O desafio é como fazer”, resumiu o ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação. Haddad e Bonomo mostraram-se simpáticos à proposta de reforma de Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCifF). A ideia de Appy é reunir os tributos indiretos, incluindo os federais, num único imposto cobrado no destino, com apenas uma alíquota.
Apareceram também algumas divergências no campo tributário. Benevides é a favor da criação de um imposto sobre grandes movimentações financeiras, que ficaria em vigor até a relação entre a dívida e o PIB atingir um determinado nível. Arida vê a ideia com maus olhos. Aumentos de impostos costumam levar a novas elevações de gastos. Bonomo também criticou a proposta, por ver um tributo nos moldes da antiga CPMF.
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As maiores discordâncias surgiram na discussão sobre a reforma trabalhista. Haddad se opôs pesadamente às medidas. Criticou o fim abrupto do imposto sindical, que poderia ter sido feito de modo gradual, segundo ele. Também atacou a cobrança dos custos judiciais de trabalhadores que perdem as causas, que afetaria especialmente os mais pobres. Arida, or sua vez, foi na direção contrária. Disse que apoia a reforma e criticou a Justiça, por desrespeitar alguns dos dispositivos das novas regras. Os assessores de Ciro e Marina fizeram alguns reparos à reforma. Benevides, por exemplo, criticou a legalização do trabalho em condições insalubres para mulheres grávidas.
Em resumo, os graves problemas fiscais e um sistema tributário regressivo e complexo aproximam em alguma medida as propostas dos assessores, embora haja obviamente discordâncias sobre o receituário a ser adotado.
Fonte: “Valor Econômico”