O Brasil tem um encontro marcado com a realidade. Em 2019, o governante eleito em outubro terá que ter a habilidade para convencer a população de que será preciso encarar o tema previdenciário de forma adulta e sem demagogia. Isso definirá, de certa forma, que tipo de país teremos nos próximos 20 a 30 anos.
Eis a relação de dez questões acerca das quais é importante começar a pensar, porque o novo governo terá que se posicionar acerca de cada uma delas desde o primeiro momento:
1) Idade para aposentadoria. Ela é de 65 anos para os homens e 60 para as mulheres, mas, em diversos países, o padrão começa a ser modificado em função da maior expectativa de vida.
2) Idade mínima. Dependendo da reforma, pode ser um item diferente do primeiro, definindo que quem se aposenta por idade pode fazê-lo a uma idade X, e quem se aposenta por tempo de contribuição deve ter no mínimo uma idade Y para se aposentar. No futuro, ambos os parâmetros poderiam convergir se as figuras de aposentadoria “por idade” e “por tempo de contribuição” forem unificadas.
Leia mais
Claudia Costin: Uma agenda para o país
Carlos Alberto Sardenberg: Chega de debate
3) Regras de transição. Como a adoção de regras mais rígidas para a aposentadoria para quem ingressar no mercado de trabalho a partir da aprovação da reforma implicaria que seus efeitos seriam sentidos só na década de 2050 e o país terá que equacionar o desafio fiscal muito antes disso, é essencial que a mudança alcance também quem já está no mercado de trabalho. É natural, por outro lado, que a regra vigente para um garoto de 20 anos seja menos dura que a que afetará um homem de 59. Por isso, o perfil da regra de transição entre a situação atual e o regime futuro será fundamental.
4) Pensão. A maioria dos especialistas coincide que o Brasil tem regras para as pensões que se encontram entre as mais generosas do mundo. Isso terá que mudar, e a concessão de pensão no futuro ser muito mais restritiva que hoje, preservado, naturalmente, o direito adquirido de quem já é pensionista.
5) Diferença de gênero. Muitos países tiveram durante décadas regras diferentes para homens e mulheres. Com as transformações do mercado de trabalho (no qual as mulheres se tornaram muito representativas, sendo responsáveis por uma proporção crescente das aposentadorias) e a maior longevidade das mulheres, mais e mais países estão migrando para a igualdade de regras. O Brasil deveria caminhar nessa direção, seguindo o padrão de vários países.
6) Situação dos militares. As Forças Armadas têm regras diferenciadas de aposentadoria. Os defensores das mesmas citam sempre as especificidades da carreira. Por outro lado, é difícil defender uma mudança das condições de aposentadoria para quase todos os brasileiros, sem alterar a lei para os militares. Isso tem sido um tabu ao longo das décadas, mas terá que ser encarado com o devido senso de equilíbrio e justiça;
7) Regime dos professores. No momento, para se aposentar por tempo de contribuição, a pessoa precisa ter 30 anos sendo mulher, com redução de cinco anos para professores. Um profissional da docência do gênero feminino que comece a lecionar aos 22 anos poderá se aposentar aos 47. É preciso ser realista: o Brasil não comporta mais isso. É um tema difícil, porque se trata de uma categoria forte, que desperta simpatias naturais na população, mas também será preciso ter um debate sério sobre o tema.
8) População rural. Hoje, quem se aposenta no meio rural o faz com 15 anos de contribuição e cinco anos antes de quem se aposenta no meio urbano, além de estar sujeito a contribuições muito menores. Esta conta se tornou extremamente onerosa para o país. A repactuação dessa diferenciação entre urbanos e rurais é um assunto que também estará na ordem do dia.
+ Gustavo Grisa: As empresas e o risco político – o que está em jogo em 2018
9) Regra do salário mínimo/piso previdenciário. Esta variável tem tido aumentos reais expressivos. A regra atual não é mais viável. É tão simples quanto isso: não haverá mais dinheiro.
10) Benefícios assistenciais. Quem tem um benefício assistencial recebe um salário mínimo à mesma idade e no mesmo valor de quem contribuiu durante anos para o INSS. Isso tem um quê de absurdo. É algo que deveria mudar.
Churchill disse um dia que “o tempo da procrastinação e do adiamento está acabando. Está chegando o tempo das consequências”. Para o Brasil, isso ocorrerá em 2019.
Fonte: “O Globo”, 03/07/2018