Enquanto o hexa vai se tornando mais e mais palpável, a grande decisão que nos aguarda em outubro, nas urnas, segue indefinida. Tenho para mim que a prioridade, mais do que defender algum candidato específico, seja impedir que dois populistas avancem para o segundo turno.
Entendo populismo —que pode ser de direita ou de esquerda— como tendo pelo menos um desses dois elementos: apostar na divisão do Brasil como estratégia eleitoral e de sustentação do poder e propor soluções mágicas para os grandes desafios que temos diante de nós. Para o populista, ele próprio é a solução.
Ter alguma noção clara do que fazer e do como fazê-lo —escolher bons assessores e ministros, capacidade de negociar com o Congresso— são detalhes que ele superará apenas por ser quem é, pela força de seu ego e seu carisma. Quem discordar é inimigo.
Merecemos um segundo turno com propostas melhores do que calote da dívida como solução da crise fiscal ou porte de armas como solução da segurança. Além disso, a polarização da sociedade —por ora atenuada pela Copa— já chega a níveis insuportáveis. Se tivermos que escolher entre dois extremos, será uma eleição mais feia do que a de 2014, com as máquinas de geração de mentiras das redes sociais trabalhando a todo vapor.
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No momento, a pulverização das candidaturas moderadas —que também podem ser mais de esquerda, como Marina, ou de direita, como Alckmin— está produzindo um vale perigoso. À esquerda, os votos que eram de Lula —que em 2002 e 2006 não foi, mas agora é, extremamente populista— serão disputados com unhas e dentes.
À direita, a única esperança é que alguém consiga esvaziar as intenções de voto que estão com Bolsonaro. Dado o clima antissistema, será necessário mais do que apenas tempo de TV e apoios locais. E ainda resta a grande massa sem candidato: segundo a última pesquisa CNI/Ibope, 59% estão indecisos ou pretendem não votar em ninguém.
Muita água vai rolar até a eleição. Uma saudável força centrípeta deve aglutinar as candidaturas e partidos moderados, gerando um ou dois nomes que sejam competitivos no primeiro turno. O momento é crítico e pede responsabilidade de candidaturas menores que não queiram entregar o país nas mãos do populismo.
Nossa cultura e nosso sistema político favorecem o centro, longe dos extremos ideológicos. Hoje isso tem sido visto como um mal, mas é uma de nossas virtudes, poupando-nos de erros e guinadas radicais.
O sentimento de que os políticos constituem uma casta em si, distante de nossos interesses, sempre contribuiu para impedir a partidarização da sociedade. Mas o que era descrença se transformou num ódio profundo, como vimos durante a greve dos caminhoneiros; e isso favorece as alternativas mágicas e revolucionárias.
É uma reação compreensível ao descalabro de corrupção, privilégio e inoperância que virou nossa política. O resultado dessa revolta, contudo, pode nos dar algo ainda pior. No mínimo, seria bom poder escolher.
Se a maioria da população de fato optar pelo populismo, que seja; democracia é assim. Mas para que isso seja fruto de uma escolha substantiva, é preciso que exista uma opção real; um caminho reto que ofereça alternativa à guinada populista.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 03/07/2018