A regra básica da democracia é a prevalência da vontade da maioria. No Brasil, tal premissa insiste em ser uma abstração teórica frente a inúmeras verdades inconvenientes. Os exemplos da realidade são reveladores e expõem as vísceras de um sistema que promete muito, mas entrega pouco. A ilustração faz eco ao argumento: o sentimento democrático da sociedade brasileira exige segurança nas ruas, todavia, a violência é gritante em nossas cidades; o desejo de escolas públicas de qualidade para nossas crianças não passa de um sonho distante; e, para encerrar, as deficiências dos hospitais e postos de saúde deixam as dores dos brasileiros ainda mais doídas.
Como se vê, a vontade da maioria – em questões básicas – é olimpicamente desrespeitada em nosso país. E são, justamente, as assimetrias entre a letra da lei e a realidade da vida que colocam as instituições políticas em permanente estado de xeque.
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O fato faz pensar. Se os justos e legítimos anseios da maior parte da população brasileira não são realizados pela política representativa, temos um sinal evidente de que o sistema em voga é manifestamente disfuncional. Sim, há eleições, mas não somos uma democracia autêntica. O voto, aqui, não passa de um carimbo de autenticação para o desgoverno irresponsável. Sem qualquer escrúpulo, somos insistentemente ludibriados por representantes políticos que apenas fingem querer o bem do Brasil. E não se diga que não há condições para se fazer o trabalho. Aliás, as condições são tantas que, de mordomias, viraram privilégios insustentáveis.
O diagnóstico é certeiro: nossa democracia constitucional foi transformada em mera burocracia plebiscitária. Para sustentar esse sistema doentio, é preciso multiplicar os canais de dependência estatal, criando-se um monstrengo inorgânico entre parasitas públicos e privados. Com isso, além da explosão do déficit público, toda e qualquer iniciativa de modernização e eficiência governamental esbarra em poderosas minorias organizadas. Dessa forma, é mantido o círculo vicioso da perpetuação burocrática brasileira, com seus infinitos degraus de corrupção, parasitismos e apadrinhamentos de conveniência. No final, muitos perdem para a garantia do ganho de poucos.
Ora, não há mais como manter o que aí está.
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Em seu último livro “The People vs. Democracy”, o Professor Yascha Mounk, uma das intelectualidades ascendentes de Harvard, analisa as patologias políticas contemporâneas, vindo a externar a existência de países com sistemas de direitos sem democracia (undemocratic liberalism). Essa parece ser uma importante tonalidade do Brasil atual que se vê amarrado por um emaranhado de regimes jurídicos anacrônicos e impagáveis, cujo resultado, no final do dia, é a falência do Estado e das estruturas de proteção social. Ato contínuo, a impossibilidade de investimentos estruturantes compromete o crescimento econômico, a geração de riquezas e a mobilidade de classes. Ou seja, a atual institucionalidade brasileira é uma fonte espiral de pobreza e de agressiva dependência pública, nos colocando na contramão das rotas dinâmicas da era digital e da economia tecnológica. Portanto, sem uma consciente inflexão positiva, o Brasil estará condenado a ficar ainda mais pobre e desigual.
Por tudo, as graves disfunções de nosso sistema institucional devem ser urgentemente sanadas. Ao invés de rupturas irresponsáveis, precisamos resgatar a autoridade das instâncias de mediação política, criando um ambiente de seriedade e credibilidade pública que viabilize a construção de consensos mínimos em torno de pautas comuns. Não podemos mais estimular a marcha da irracionalidade que vem governando nosso país. Ao invés de divórcios, egoísmos ou populismos de ocasião, a hora exige a união dos brasileiros de bem contra os inimigos do Brasil.
De que lado você está?
Fonte: “GaúchaZH”, 04/07/2018