Senado e Câmara dos Deputados têm se dedicado nos últimos dias a gastar dinheiro por conta do contribuinte e a legalizar crimes e infrações. Além, é claro, de proteger os criminosos da própria casa.
Não que nunca tenham feito isso. Mas a farra atual é de rasgar a fantasia, favorecida por uma combinação de governo (Temer) fraco, eleições presidenciais muito abertas e reeleições em jogo. Com o poder atual muito disperso e como não se sabe quem estará no governo no ano que vem, abre-se um verdadeiro vale-tudo.
Discute-se, por exemplo, um projeto de lei para viabilizar a privatização de distribuidoras de energia do Norte e Nordeste, todas deficitárias. Como operam no vermelho, essas distribuidoras já são subsidiadas por um fundo formado com o dinheiro recolhido de todo mundo que paga conta de luz. Vivem, pois, do dinheiro alheio.
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Como a Eletrobras, a holding, não tem recursos para sanear as distribuidoras, surgiu a ideia de passá-las para o setor privado, de graça. Isso mesmo, de graça, assumindo o novo proprietário compromisso de arrumar e investir. Projeto saneador, portanto.
Tem a oposição de praxe, dos políticos e sindicatos que querem manter as estatais, nas quais os políticos têm influência nas contratações e os sindicalistas sustentam bons empregos, estáveis e com salários altos.
Do jogo. Mas aparece outro dano pelo lado dos que apoiam a privatização. Uma emenda, por exemplo, perdoa os “gatos”, roubos de energia, praticados desde 2009. Tem um gato “legal”. Considera-se que é impossível bloquear todas as gambiarras. Mas tem um limite: acima de certo volume, o gato é ilegal — tem de ser cobrado da empresa e/ou dos consumidores locais. Pois a emenda remete essa conta para todos os consumidores nacionais.
Ou seja, leitor, leitora, na sua conta de luz, não importa onde você more, virá uma parcela para pagar os gatos do pessoal do Acre e Rondônia.
Eis os dois lados da atual prática congressual: espetar contas no bolso dos outros e legalizar crimes.
Além de aprovar regras de execução impossível. Caso do frete rodoviário. A Câmara aprovou texto estabelecendo um preço mínimo para o frete rodoviário. Qual? Problema da Agência Nacional de Transportes, que fará as tabelas. Quando? Bom, quando der.
Assim, a nova medida derruba a tabela que fora baixada por decreto pelo governo e que ninguém está cumprindo, por inviável. Por isso, a Câmara resolveu também dar uma anistia para quem não cumpre a tabela velha e, já que está com a mão na massa, anistia também as multas dos caminhoneiros. E tudo o mais.
Todas as ilegalidades cometidas na greve — desde locaute, até violação do direito de ir e vir, além de violências físicas — ficaram por isso mesmo.
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Em tempo: é impossível fazer uma tabela de fretes num país com o tamanho e as diferenças regionais do Brasil. Ou seja, a nova tabela não será cumprida. Será uma espécie de ilegalidade consentida.
Outra farra foi aprovada no Senado: um projeto de lei que facilita a criação de novos municípios. Estima-se que a nova regra facilita a instalação de algo como 300 municípios nos próximos cinco anos.
Como cada cidade tem um mínimo de nove vereadores, serão pelo menos mais 2.700 vagas. O salário varia conforme o tamanho e a renda da cidade, mas nunca é inferior a R$ 5.500, mesmo quando o número de sessões não passa de uma por mês. Como sempre tem décimo terceiro, o salário anual vai para R$ 71.500 — ou R$ 193 milhões/ano de gasto público extra. Ainda é preciso acrescentar as verbas de gabinete e indenizatórias, mais a estrutura de pessoal, prédios, carros, tudo sem contar a montagem das prefeituras, secretarias, carros, mordomias etc.
Como os pequenos municípios não têm renda própria, vivem dos recursos repassados pelos governos federal ou estaduais — ou seja, do conjunto dos contribuintes. Uns bilhõezinhos a mais ou a menos, qual o problema, não é mesmo?
Fake news
São Paulo, domingo, Avenida Paulista. Um grupo de ativistas pela volta do regime militar alardeia: o Supremo Tribunal Federal acaba de mandar soltar o Lula; só os militares podem acabar com isso.
Não muito longe, outro grupo, primeiro, alardeia a libertação de Lula. Depois, decepcionados, esses ativistas gritam que o vendido Moro saiu da praia em Portugal para impedir a liberdade de Lula.
Fake news anula fake news? Ou multiplica?
Fonte: “O Globo”, 12/07/2018